Esta imagem do copo meio cheio ou meio vazio traduz bem os embates do mundo contemporâneo. O sujeito diz com ares de sabidão: são duas maneiras de olhar. E, via de regra, quem diz isso se ufana de ver o copo meio cheio.
Virou um clichê do mundo dos negócios. O comportamento permanentemente eufórico de quem quer viver acumulando cada vez mais riqueza não se permite vivenciar a falta, o vazio. E impõe esse mesmo obrigatório estado de espírito a quem lhe presta serviço.
No entanto, se olharmos o tal copo, ele está meio cheio e meio vazio. E ver a realidade é o primeiro passo para lidar melhor com as coisas. Inclusive, com os negócios.
Atingimos até aqui tais índices. Faltam tais e tais. O vazio não é uma ameaça ou algo para o qual não se deva olhar ou admitir a sua existência. É um fato, assim como o cheio.
E como canta Gilberto Gil, “É sempre bom lembrar/que um copo vazio/está cheio de ar.” Além do mais, tem os que detestam encher o copo até a boca. Tem os que não querem mais e mais. E os que querem se livrar de muitas coisas que pesam na sua vida.
O mundo digital quer captar a nossa atenção o tempo todo. Se depender dele, não teremos um segundo de vazio. É sempre a tela cheia de imagens, cortes de vídeos, notícias a nos levar para um labirinto no qual nem sabemos por que entramos e por onde podemos sair. Mas muita gente já está ficando de saco cheio.
Essa captura da atenção e da criação de uma certa ilusão de consciência está na base do crescimento da extrema direita no mundo. Criam uma ideia de desordem através de notícias falsas e distorções da realidade. Elegem um inimigo a ser demonizado e criam a adesão à reparação do suposto mal. Quando atacada, essa extrema direita distorce novamente a realidade e o discurso, fazendo-se muitas vezes de vítima, quando, na verdade, é o algoz.
São especialistas em fazer não ver o copo como tal. Em advogar por parte da realidade como sendo o todo. A eleição do Trump só reforça esse mundo distorcido. Mas ela é parte de toda essa máquina de distorção das consciências. Sem ele, a máquina seguiria fazendo seu estrago. Com ele, ganha mais força ainda.
Talvez a primeira estratégia para disputar a atenção de um eleitorado que está embarcando nas distorções da extrema direita é desenvolver uma maneira de recolocar no nariz das pessoas a realidade. Sair do ou e ir para o e. O copo não está cheio ou vazio. Está cheio e vazio.
Foto da Capa: Freepik
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