Espero que você tenha na sua vida pessoas que te desloquem, que te despertem da adormecida rotina pão-queijo-café-trabalho. Pessoas que com uma pergunta, um convite, ou até mesmo uma frase, te façam parar alguns minutos para compreender o efeito do que foi dito, dentro de você. Vivo com a sorte de ter vários desses seres humanos especiais por perto.
Esse texto parte de um convite, que aqui eu compartilho, porque apesar de indivíduos, de sermos individuais, não fomos feitos para a individualidade.
Escrevo um texto esperançoso para pessoas empreendedoras do Rio Grande do Sul.
Vamos à etimologia: o verbo “esperançar”, do latim “sperantia”, derivado de “sperare”, o verbo latino “sperare” está relacionado à raiz indo-europeia “sper-“, que carrega a ideia de desejo ou expectativa. Esperançar é, então, o ato de cultivar a esperança, de ter expectativa positiva em relação ao futuro. Diferente de “esperar”, que pode ter uma conotação passiva, “esperançar” implica uma ação ativa, uma busca por aquilo que se deseja ou acredita, do advir, daquilo que está por vir.
Três meses se passaram dos impactos da crise climática no Rio Grande do Sul, e recordo de uma frase de Jonathan Watts para Sumaúma: “O clima é uma expressão da vida”.
O cenário do que aconteceu no RS, meu estado, pode ser conferido em texto, áudio e vídeo, em qualquer veículo de comunicação, local ou internacional. Porém, o cheiro que você sente no Centro Histórico de Porto Alegre, na esquina da Rua Caldas Júnior com a Rua dos Andradas, ou a marca da água nas paredes da Avenida Mauá, assim como as raízes expostas de uma vegetação centenária, entre as cidades de Igrejinha e de Montenegro, para citar os espaços que percorri, não cabem nos produtos e canais midiáticos. Nem a dor de tantas perdas – pessoais e materiais -, a inexistência de vida, a cor terracota, os tecidos em galhos às margens do Rio Caí. São marcas que estão ali, todos os dias, e ficarão em nossas memórias.
São mais de três meses de inúmeras campanhas de arrecadação, incontáveis iniciativas, ações de limpeza, de distribuição de alimentos, móveis, materiais de construção e tantos outros itens. Mas ainda falta. E falta muito. Falta porque a transferência de recursos financeiros no país em que vivemos, de recursos públicos e privados, parte de condições prévias, de tetos e de limites. Os auxílios são restritos a determinados perfis, os programas são geridos e distribuídos a partir de instituições que possuem as suas regras, nada transparentes, se abastecem de informações desencontradas e incoerentes, estipulam prazos e limitações ou fazem concessões vinculadas à mancha de inundação (e por que, raios, escolheram a palavra mancha?).
Isso acontece porque cada pessoa física ou pessoa jurídica tinha seus próprios critérios para doar, ou seja, para além do contexto legal, usamos os nossos motivos, as nossas escolhas, com base em nossas percepções para tomar decisões diante de tanta falta, de tanta necessidade. Cada um optou, selecionou.
Atribuímos, doamos, enviamos o quanto podíamos, quanto era possível, naquele dia, dentro daquela semana, daquelas semanas, daquele mês, no mês seguinte.
Uma escola, um povo indígena, amigas, famílias, uma celebridade que resgatava animais, um quilombo, um primo de uma amiga, o amigo que viajou dois dias trazendo consigo água e força de vontade para resgatar idosos que não tinham para onde ir. Associações privadas e sem fins lucrativos, hospitais, empresas em cooperação.
Mas se passaram mais de três meses e ainda falta, porque os impactos da Crise Climática, para além do que se vê, do que se sente e do que o olfato alcança, hoje, está em quem segue se sentindo desamparado.
Um atlas apresentado pelo Sebrae indicou que, no ano de 2022, somente os MEIs em atividade foram responsáveis por gerar R$ 11 bilhões mensais. Desse montante, 47% foram gerados do caixa de empresas cadastradas e vinculadas ao CPF de uma mulher.
Em 2024, no Rio Grande do Sul, foram identificados 2,7 milhões de microempreendedores individuais (MEI), 1,43 milhão de microempresas e mais de 231 mil empresas de pequeno porte. Ao todo, 441 mil dessas são microempreendedoras. Se considerarmos que dos 497 municípios gaúchos, 425 relataram intercorrências no período por conta da Crise Climática, veremos que mais de 876 mil pessoas em 300 municípios gaúchos foram afetadas diretamente, conforme o IBGE. Nesse contexto estão as 441 mil microempreendedoras gaúchas impactadas.
Ainda, conforme o Observatório das Metrópoles, as áreas que mais sofreram com as enchentes apresentaram uma concentração expressiva de população negra.
E aqui, analisando estes dados com uma lente de aumento sobre uma pequena parte de um todo, falo de uma parte contributiva de empresárias, que até o final de abril injetava mensalmente bilhões de reais na economia regional e que, há mais de três meses, enfrentam a perda do poder aquisitivo do seu entorno. Não vendem, não compram, não prestam serviços.
Essa reflexão é para que se continue com os olhos voltados para o sul deste país, porque ainda falta. Ainda há muitas lacunas. Para além dos critérios pessoais, se você ou sua empresa ainda tem capacidade de doar, proponho que doe, também, para alguém que te desloque da sua rotina.
Não é à toa que o futuro é coletivo. E esperançar é agir. Siga fazendo a sua parte.
Te convido a conferir os trabalhos que estão sendo feitos pelos coletivos, pelas associações, pelas entidades sem fins lucrativos, por pessoas unidas, reunidas, aliadas, conectadas que estão em ação:
- Odabá – Associação de afroempreendedorismo
- Instituto Vakinha
- Mulher em Construção
- ONG Bonanza
- Instituto Ling
- Apoia Empreendedora
- Centro de Referência Indigena do RS. Cria-RS
- Sempre Mulher
- Atinúkẹ́
- Instituto Colo de Mãe
Referências:
Observatório das Metrópoles
Atlas Sebrae
Jonathan Watts
Foto da Capa: Wikipedia
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