Suponho que quem é de fora do Rio Grande do Sul ache que só existe um uso do tri. Talvez só tenham ouvido na música do Kleiton e do Kledir, no trecho “vou pra Porto e bah, tri legal”. Daí ser comum em programas de tevê algum não gaúcho, tentando imitar um sotaque daqui, dizer tudo junto, como se andassem sempre assim, o bah e o tri legal, e ainda acrescentam um tchê: “bah, tri legal, tchê!”.
Mas tanto o bah, quanto o tri e o tchê, como sabem todos que falam o gauchês e o portoalegrês, podem viver e vivem muito bem separados, cada um funcionando de diferentes maneiras em vários contextos.
O tchê equivale ao meu: “Meu, quanto custo isso? É um contexto em que pode se usar “Tchê, quanto custa isso?”. Gramaticalmente, é um vocativo.
O bah é uma interjeição. “Vixe, que porcaria!”. “Oh, que lindo!”. Troque por bah e está tudo certo.
E o tri é um advérbio de intensidade. É como o muito. “Ele é muito chato”; “Ele é tri chato”. Não é exclusivo e grudado ao legal. Serve, assim como o muito, para tudo. Fico imaginando, num hipotético curso de portoalegrês para estrangeiros, exemplos do uso do tri. “Ele é tri chinel!”. Primeiramente, teria que explicar o tri nos contextos do muito. Depois, o termo chinelão, com seu feminino chinelona, e sua redução para chinel, que significam… o que mesmo?
Bagaceiro talvez seja o melhor termo. Pelo menos, os dois aparecem juntos na música da Graforreia Xilarmônica: “Um bagaceiro chinelão/vai bater na porta da sua casa…”. É claro que esses adjetivos pejorativos carregam preconceitos sociais. Bagaceiro é o trabalhador responsável no engenho por tirar o bagaço da cana-de-açúcar. E chinelão também deve ter origem na vestimenta de pessoas muito pobres, que não conseguem comprar um tênis ou um sapato, andando sempre de chinelo. O chinelão, ou as reduções chinelo e chinel, na cabeça de quem fala, serve para dizer que algo ou alguém são desqualificados: “Esse Trump é tri chinelão!”. Mesmo que o Trump seja um milionário. Ou seja, se, na origem, o termo carregue um preconceito de classe relativo aos pobres, no uso, pode adjetivar pessoas de outra classe mais abastada. Pode qualificar objetos, eventos… A chinelagem, outro termo que vem daí, não tem fronteiras.
O tri faz parte também de outra expressão que traz um estado de espírito: tri de boas. A pessoa nesse estado está muito em paz. Está muito bem. Pode ser usada num contexto em que se quer ser educado, não causando incômodo numa situação um pouco formal:
– Quer sentar, quer uma água, um café?
– Não, não, tô tri de boas.”
Significa que estou “tri bem”, que estou muito bem assim.
Outro contexto é quando usamos para marcar o contraste entre uma situação de calma e tranquilidade com algo que nos tira dessa calmaria: – Eu tava ali, tri de boas, e a pinta veio me azucrinar.
E o tri ainda pode ser usado no lugar do bem:
– E aí, como é que tá? Tudo tri? (Com o sentido de “Tudo bem?”).
E, por último, pelo menos nesse texto, no lugar do bom:
– E aí, o que achou?
– Tri.
Talvez seja uma redução de “tri bom”.
Uma hipótese como falante é que usamos o tri para marcar uma ênfase. Queremos dizer que é mais que muito. É tri.
Foto da Capa: Cesar Lopes / PMPA
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