Em entrevista à Folha de São Paulo, depois da vitória de Trump, o ex-presidente Jair Bolsonaro uma hora se mostra pretensioso e noutra parece acometido do complexo de vira-lata.
Primeiro, o ex-capitão diz que Trump não convidaria Lula, e afirma que pode ser o único brasileiro convidado para a posse do republicano. Desinformado, Bolsonaro não sabe que os Estados Unidos não convidam delegações estrangeiras para a posse de seus presidentes.
Na mesma resposta à Folha, o ex-presidente brasileiro deixa aflorar o gosto pelo jeitinho para ajudar amigos e mostra o complexo de vira-lata que ainda habita seu coração.
Ao responder sobre a pretensão de ir à posse do Republicano, Bolsonaro lembrou uma suposta intimidade do presidente eleito dos Estados Unidos com o deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro e contou que o filho foi um dos 85 convidados para acompanhar a apuração na casa de Trump em Mar a Lago “e ainda botou dois pra dentro, o Gilson Machado (ex-ministro) e o filho dele…” Bonito, não, pergunto eu?
O nosso ex-presidente também alardeia uma suposta admiração de Trump por ele, mas, ele mesmo, se põe no seu devido lugar. Olha só o que Bolsonaro disse à Folha de São Paulo: “Ele me tem como uma pessoa que ele gosta… Essa paixão veio da forma como eu tratava ele, sabendo o meu lugar.” Que coisa, não?
E tem mais. Bolsonaro acredita que a eleição de Trump pode ajudar a quebrar a proibição de sair do Brasil por causa do envolvimento na trama golpista de 2022. Ele diz que, convidado para posse, vai peticionar ao STF. E se o Moraes negar, quis saber o repórter? A resposta saiu com a profundidade que sempre têm os argumentos bolsonaristas;
Ele vai falar não para o cara mais poderoso do mundo? Eu sou ex. O cara vai arranjar uma encrenca por causa do ex? Acha que vou para os Estados Unidos e vou ficar lá?
É esperar para ver. Primeiro, se vai ter convite. Em seguida, se o lugar em que o ex-presidente do Brasil se coloca em relação ao comandante dos Estados Unidos permite que ele – o brasileiro – seja visto num ambiente que mistura China, guerra da Ucrânia, Israel x Palestina e 11 milhões de migrantes ameaçados de deportação. Depois, se o ministro Alexandre de Moraes vai dizer sim só porque o convite é do presidente dos Estados Unidos.
Lula, o ajuste, a comunicação e 2026
Um dos argumentos do senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, em defesa da Proposta de Emenda Constitucional que acaba com a reeleição, é que o país não pode viver em permanente campanha eleitoral.
Segundo ele, assim que toma posse, o eleito passa a atuar para garantir mais quatro anos de mandato.
Mas, com o fim da reeleição, o ocupante da Presidência da República, dos governos estaduais e das prefeituras vão deixar de atuar para manter o poder em seu campo político?
Veja o que acontece neste momento. Nem bem apurados os resultados das eleições municipais, já se movimentavam todas as forças políticas com olhos voltados para 2026. Hoje, já temos candidatos a candidatos estaduais e nacionais.
E a visão do três de outubro de 2026 assusta o pessoal que faz política pensando só na manutenção da cadeira no Congresso, do gabinete na Esplanada dos Ministérios, ou de uma sala no Palácio do Planalto. Lula não consegue um mínimo de adesão de seus ministros ao programa de corte de gastos que precisa ser feito para enquadrar as despesas do governo no Arcabouço Fiscal aprovado no final de agosto do ano passado.
Já teve até ministro (Luís Marinho, do Trabalho) ameaçando pedir demissão se houver qualquer redução do seu orçamento. Outro, Wellington Dias, afirma que não vai admitir qualquer corte em benefícios sociais. E são dois ministros do PT…
Então, se não convence o próprio partido da necessidade do ajuste, como o presidente Lula vai conseguir consenso entre os outros 10 partidos que ocupam ministérios? Cada um deles permanentemente de olho num pedacinho de poder?
E quem está na linha de tiro dos contra o ajuste fiscal? Dois fortes candidatos a candidatos em 2026: Simone Tebet e Fernando Haddad.
Os dois sabem que é melhor adotar medidas supostamente impopulares hoje do que chegar a 2026 com inflação e desemprego, índices que hoje são positivos, mas, mesmo assim, não garantem que o povo olhe para Lula com bons olhos.
Ajustando as contas, o governo pode, afinal, fazer o povo sentir – no dia-a-dia, no caixa do supermercado, na barraca da feira – que a vida está melhorando.
Foto da Capa: Alan Santos / PR
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