O bilionário Donald Trump venceu as eleições nos Estados Unidos. Como isso pode influenciar a vida de pessoas com deficiência e autistas?
Essa é uma pergunta válida por se tratar de uma votação que tem repercussão global. Boa parte do planeta acompanhou, mais uma vez, como se escolhe um presidente pelo método confuso, com votos divididos por Estados e que são pintados de azul e vermelho, de acordo com o vencedor naquele pedaço do País. Acompanham-se as eleições norte-americanas porque é o país mais poderoso do mundo e com uma influência social, cultural e econômica planetária.
A eleição de 2024 teve de um lado a atual vice-presidente, Kamala Harris, do Partido Democrata, e, de outro, o ex-presidente Donald Trump, do Partido Republicano, com a vitória deste, um representante da extrema direita e do que alguns chamam de populismo e outros de etnonacionalismo ou nacionalismo cristão. As políticas de ambos os concorrentes são diferentes e até mesmo antagônicas em muitos pontos.
É certo que os direitos das pessoas com deficiência serão atingidos pelo novo governo Donald Trump. Isso afetará a vida de pessoas com deficiência nos Estados Unidos, mas poderá repercutir aqui, no Brasil. Esse efeito é potencializado pela presença, em nosso país, de representantes da mesma corrente ideológica do presidente recém-eleito e que se articulam em escala global e copiam, uns aos outros, em escala global.
Basta lembrar que as políticas adotadas por Trump vêm sendo copiadas pelos partidários do ex-presidente Bolsonaro. Assim foi quando ambos menosprezaram a Covid-19, quando se opuseram às vacinas e colocaram o resultado das eleições sob suspeita, inclusive com a invasão de prédios públicos por seus seguidores. Por essa razão, nada mais natural do que buscar entender o que o novo governo estadunidense fará com relação ao direito das pessoas com deficiência em geral e dos autistas, em particular.
As promessas de campanha de Donald Trump, que incluem o corte significativo de impostos para bilionários e de serviços públicos importantes para pobres e demais grupos em situação de vulnerabilidade, levam os defensores dos direitos das pessoas com deficiência a expressar preocupação em relação a possíveis mudanças nos programas de Medicaid e em outras políticas essenciais para esse segmento. Essas políticas teriam seu impacto ampliado devido à precariedade econômica das pessoas com deficiência.
O site especializado Disability Scoop buscou prever as possíveis medidas do novo governo com base nas suas ações no primeiro mandato. Naqueles anos, Donald Trump implementou ações que alarmaram os ativistas, como tentativas de reestruturar o programa de saúde federal Medicaid e reduzir o financiamento para programas vitais para as necessidades das pessoas com deficiências. A expectativa é que seu novo governo busque implementar planos semelhantes.
Ativistas já estão alertando sobre os riscos associados a essas propostas, que incluem restrições de acesso ao Medicaid e a eliminação do Departamento de Educação dos EUA, responsável por diversas políticas de inclusão de pessoas com deficiência. Essas mudanças poderiam reverter avanços importantes e levar a um aumento da segregação e da exclusão, inclusive fomentando a sua institucionalização, o que seria um grande retrocesso.
Já o site American Progress buscou evidências nas medidas propostas no “Project 2025”, um documento com mais de 900 páginas, formulado pela Heritage Foundation, com o objetivo de reestruturar o governo federal para apoiar uma agenda conservadora após a eleição presidencial de 2024. Embora Donald Trump tenha buscado se afastar dessa iniciativa, o projeto reflete a agenda defendida por seus seguidores. Essa proposta pode prejudicar os direitos das pessoas com deficiência, destacando cinco principais aspectos:
Eliminação de Direitos Educacionais: O projeto propõe mudanças que dificultam a coordenação de serviços educacionais para alunos com deficiência, o que compromete o acesso a uma educação apropriada.
Cortes em Programas de Saúde: O Projeto 2025 ameaça reduzir o financiamento do Medicaid, o que pode limitar o acesso a serviços essenciais de saúde e cuidados domiciliares para pessoas com deficiência. Além disso, o projeto propõe limitar a cobertura do Medicaid e reverter políticas que garantem preços mais baixos para medicamentos.
Barreiras ao Emprego: O projeto pode enfraquecer as proteções contra discriminação no local de trabalho, dificultando a luta contra práticas discriminatórias e limitando a capacidade do governo de agir em casos de violação dos direitos dos trabalhadores com deficiência.
Restrição de Benefícios Sociais: O projeto sugere mudanças que podem dificultar o acesso a benefícios sociais e assistenciais, prejudicando o sustento de muitos indivíduos com deficiência.
Redução da Proteção Legal: A proposta inclui a eliminação de regulamentos que garantem a proteção contra discriminação, o que tornaria mais difícil para as pessoas com deficiência reivindicarem seus direitos. Em se considerando que as principais normas relativas aos direitos das pessoas com deficiência nos EUA são federais, é previsto um verdadeiro “efeito cascata” que tornará ainda mais danoso o retrocesso significativo que é esperado nos direitos e na qualidade de vida das pessoas com deficiência nos Estados Unidos.
Essas mudanças também dificultariam a vida de autistas que enfrentam outro problema adicional: Robert F. Kennedy Jr., cuja presença em alguma função importante relacionada à saúde foi anunciada por Trump. Kennedy não é cientista ou médico, mas detém a qualificação julgada necessária em um governo como esse: ele acredita e propaga as teorias conspiratórias que circulam pela Internet, como a crença equivocada de que vacinas causam autismo, bobagem que já foi dita por Trump. Seria uma estupidez inofensiva se não colaborasse com o movimento antivacinas, que tem sido decisivo para o ressurgimento de doenças já controladas como sarampo e paralisia infantil, além de todos os efeitos nefastos ocorridos durante a epidemia do coronavírus.
RFK Jr. também “denuncia” a existência de uma “epidemia de autismo”, invalidando os diagnósticos de autistas. Além disso, costuma recorrer a estereótipos ofensivos quando fala sobre o tema, referindo-se aos autistas como pessoas que precisam andar de capacete para não bater com a cabeça na parede, que não conseguem controlar a urina e as fezes, pois não têm condições de usar o banheiro ou andam na ponta dos pés.
Como se não bastasse tudo que foi dito, o negacionismo científico de Kennedy se manifesta na defesa e nas promessas de promover tratamentos sem comprovação científica para o autismo, como a quelação, método que utiliza remédios pesados com a intenção de remover metais tóxicos do organismo, na crença de que esses metais são a causa do autismo. No entanto, essa hipótese nunca foi comprovada pela ciência. Além da falta de evidências científicas, a quelação pode acarretar sérios problemas de saúde, como danos aos rins e ao fígado, e até mesmo risco de parada cardíaca.
Concluindo, é preciso falar de algo que vai além das pessoas com deficiência ou o autismo, mas que também afetará os direitos desses cidadãos. Trump e seus partidários negam a ciência e defendem uma liberdade individual que está acima de qualquer medida de bem comum. Da mesma forma, desconfiam e ofendem qualquer movimento de ação coletiva que não os seus próprios. Os direitos das pessoas com deficiência dependem da ação do Estado e são conquistados e fiscalizados por suas organizações coletivas. Ao retirar essa proteção, essas políticas sacrificam as pessoas com deficiência e outros segmentos sociais em situação de vulnerabilidade.
Os próximos quatro anos prometem ser de muitas dificuldades com a retirada de direitos das pessoas com deficiência nos Estados Unidos. Nada garante que essas políticas não chegarão aqui.
Foto da Capa: Trump debocha de um repórter com deficiência na campanha de 2015 / Reprodução da Internet
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