Trump e Bolsonaro. Bolsonaro e Trump. Não tem como escapar dos dois. O que ocupa manchetes, notas de colunas e comentários são as trumpices nos Estados Unidos, com eco e consequências no mundo e, por aqui, as bolsonarices, com eco, principalmente no presídio da Papuda, e consequências, por enquanto, limitadas a Brasília ou, mais especificamente, à Esplanada dos Ministérios…
Mas dá para saber para onde querem ir os dois? O que quer cada um deles? Para onde podem levar o mundo, principalmente o Trump? E o ex-capitão, o que quer do Brasil (além de anistia)?
Comentar o noticiário sobre as maluquices do Trump, como se ele, uma hora, ataca dizendo que os países estão kissing his ass em busca de acordos e, em seguida, pressionado até por aliados prejudicados por suas doidices e pelo derretimento do valor dos títulos vendidos por seu governo, recua, mostrando, que ele mesmo has his ass at the window e suspende a cobrança das tarifas por 90 dias.
Trump adiou a cobrança das taxas por 90 dias sem avisar ninguém. Deixou que seus assessores pagassem o mico de explicar as medidas ao Congresso no mesmo momento em que ele, na Casa Branca, empurrava com o topete o início da cobrança…
E ainda vem com a balela de que o recuo estava planejado, que ele sabia que os países viriam negociar… Na verdade, a suspensão da cobrança da tarifação das importações da maioria dos países é um recuo trumpista diante das pressões de grandes empresários norte-americanos. E não um lance estratégico. Na verdade, mais parece um blefe de alguém que quer administrar a maior economia do mundo como se estivesse na mesa de um cassino.
Trump, como se diz no futebol, foi ao ataque e está levando algumas bolas nas costas. A China anunciou tarifas de 125% sobre os produtos norte-americanos que entrarem lá e garantiu que não vai passar disso. O ministério das Finanças chinês, segundo o Uol, na mesma nota, anuncia que novos aumentos de tarifas não teriam sentido econômico e diz que os Estados Unidos estão perto de se tornarem uma piada na economia mundial.
Xi Jinping, na sexta-feira, 11 de abril, esteve com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, enquanto Trump se sacode feito um pêndulo, pra lá e pra cá, batendo-se contra o mundo. O premier da China articula a união da Europa com a potência que ele administra para a formação de um bloco capaz de repelir com força o pêndulo trumpista.
Não só os países se articulam para reagir a Trump. A Apple, por exemplo, lotou meia dúzia de aviões com celulares e outros produtos fabricados na Índia e na China e mandou para os Estados Unidos antes de o tarifaço trumpista entrar em vigor. Até em Elon Musk as trumpices respingam. A Tesla chinesa suspendeu as encomendas de dois modelos de automóveis elétricos da Tesla nos EUA. A suspensão foi anunciada logo depois que Pequim anunciou o tarifaço de 125% sobre as importações dos Estados Unidos.
Até agora, só temos notícias e comentários sobre empresas, governos, bolsas de valores. Ainda se tem pouca notícia sobre os trabalhadores empregados dessas empresas, dos servidores de governos. Vamos ver como vão se portar Trump, o governo dele e o Congresso dos Estados Unidos quando começarem a quebrar pequenos e médios comércios, pequenas e médias indústrias, quando caírem fundo as arrecadações de governos e faltar dinheiro para obras e outros investimentos. E massas de trabalhadores ficarem desempregados…
Então, fico com o que disse o ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, a O Globo na quinta-feira, 10 de abril. “Trump é um homem do passado, tem uma visão anacrônica do comércio, como essa obsessão pelo automóvel”, diz Ricupero.
O ex-ministro brasileiro, me parece, define assim, além da real dimensão pessoal do Trump, o peso que os Estados Unidos têm, atualmente, no mercado mundial.
Mas e por aqui, como repercutem as trumpices? Por enquanto, o Brasil não sofre nenhuma consequência mais grave. Trump nos deixou no bloco dos países taxados em 10%. Só o aço brasileiro pagará tarifa de 25% para entrar nos Estados Unidos.
O governo Lula se faz de morto, embora já tenha conseguido, no Congresso, autorização para reagir ao tarifaço norte-americano. Tem gente acreditando que o Brasil vai levar alguma vantagem nessa guerra comercial. Vamos vender mais para a China e outros países. Mas como – em contrapartida – a nossa economia vai se proteger da muito provável enxurrada de bugigangas chinesas que vai inundar o mercado nacional?
Por enquanto, as bolsonarices incomodam mais que as trumpices. O governo Lula está mais preocupado com os golpistas do 8 de janeiro, que podem ser soltos por decisão do Congresso Nacional, do que com o tarifaço dos Estados Unidos. O líder bolsonarista deputado Sóstenes Cavalcante (PL/AL) conseguiu as 257 assinaturas de deputados para votar em regime de urgência o projeto que anistia o pessoal preso na manifestação predatória e antidemocrática de janeiro de 23.
E todo mundo sabe que – assim como serviram de massa de manobra, ou bucha de canhão no quebra-quebra de janeiro – a Débora do batom e a senhorinha da Bíblia servem, agora, de porta-bandeiras da absolvição de Jair Messias Bolsonaro. A mais clara prova de manipulação e de falseamento da verdade foi a patética fala do ex-capitão, dirigida pretensiosamente ao mundo, num ridículo inglês, na manifestação em São Paulo, inventando o pop corn e o ice cream sellers que estariam presos sob acusação de tentarem o golpe que derrubaria Lula uma semana depois da posse.
Entre os 257 assinantes do pedido de urgência para a votação da anistia, estão uns 100 deputados de partidos que ocupam salas na Esplanada dos Ministérios. Agora, a bola está com o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos/PB). Se não quiser, ele não leva o projeto de anistia ao plenário.
E, como atualmente o que mais se faz no Congresso Nacional é a política do faz de conta, o mais provável é que aconteça um grande acordão. Algumas penas são abrandadas, alguns golpistinhas saem da cadeia, os grandões vão a julgamento e todo mundo finge que ganhou. Afinal, como mostra pesquisa recente do Datafolha, 56% dos brasileiros acham que os golpistas devem cumprir pena, mesmo que alguns mereçam penas menores do que as que estão pagando.
Bom para a maioria. Ruim para Bolsonaro que, como disse a ministra Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher a presidir o Superior Tribunal Militar (STM), em entrevista à revista Veja desta semana, a depender da pena que lhe imponha o STF, pode até perder a patente de capitão do Exército… e o respectivo soldo. O ex-presidente, hospitalizado no Rio Grande do Norte por conta de uma obstrução intestinal, fica fora de combate por uns dias ainda. A ver com que disposição vai voltar a pressionar a Câmara para votar a anistia e pegar uma carona no trem da alegria de quem ele mandou às ruas atacar a democracia.
E Lula? Das duas uma: ou ele enquadra os partidos que ocupam a Esplanada e deixa seus parlamentares livres para votar escancaradamente contra o governo, como nesse caso da anistia, ou faz a tão prometida reforma ministerial e dá ao governo uma cara só. A cara do candidato que, apesar de todos os pesares, ainda é o preferido do eleitorado.
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Foto da Capa: Alan Santos / PR