Esta coluna poderia se resumir a compartilhar este link. Porque tudo o que quero dizer hoje é para você ir atrás da ideia que está explicada no site e no Instagram do projeto Lúcidas, com o talento de contadora de histórias da responsável pela iniciativa, Larissa Magrisso:
“Lúcidas é um projeto de investigação, conteúdo e conexões que tem a intenção de dar à pauta amizade feminina a mesma atenção e status de relações familiares e amorosas, contribuindo para a felicidade das mulheres em todas as fases da vida.”
Graças à tecnologia (e as redes sociais), não perdi contato com a jornalista com quem compartilhei redações na década passada e sei que ela de fato nutre amizades intensas com muitas mulheres – algumas também minhas amigas e conhecidas. Por isso, sou testemunha de que o que ela defende é o que faz. Numa troca de mensagens nesta semana, ela me contou como teve a ideia de criar o Lúcidas:
“As amigas são uma parte fundamental da minha vida desde sempre, mas teve um texto da Mirian Goldenberg que despertou muito a minha curiosidade uns cinco anos atrás. Ela fala sobre como, na velhice, os homens contam com as suas mulheres e filhas para cuidar deles, e as mulheres, com as amigas. Na pandemia, um canal sobre envelhecimento (@sessentonica) me pediu pra gravar um vídeo sobre amadurecimento. Falei sobre a importância das amigas, e o vídeo teve uma repercussão muito bonita. Percebi que existe um desequilíbrio entre a importância desse relacionamento e a quantidade de mensagens, histórias e conteúdo disponível sobre ele. Se a gente for pensar nas revistas femininas, que eu cresci lendo, em toda edição tinha matéria sobre relacionamento, trabalho, saúde, maternidade, corpo, mas matérias sobre amizades eram mais pontuais. Pensei ‘amizade não é um assunto pontual, é uma editoria inteira’. Se a gente transpuser essa mentalidade para conteúdo digital, é uma plataforma inteira, porque tem muita coisa pra falar, pra pesquisar… Aí comecei a ativamente procurar ler e entender mais desse assunto, vi que existe uma demanda, e me deu vontade de começar a pesquisar.”
A história do nome do projeto, inspirada na tia-avó da Lari, é por si só genial:
“Tia Irma, no final da vida, foi morar em um lar para idosos. Chegando no lugar, ficou animada ao reconhecer uma amiga de infância, que não via há algumas décadas. Se aproximou e, sem cerimônia, fez a pergunta impossível que viraria bordão familiar e da minha vida:
– Tu tá lúcida?”
Viva a tia Irma! Inspirada por ela, nasceu essa proposta linda que defende, em letras garrafais:
“as amigas nos manterão sãs, mesmo quando estivermos loucas”
Pesquisas comprovando essa teoria à parte, percebo o quanto isso é verdade no grupo de amizade da minha mãe, de 75 anos. Vejo que é da convivência umas com as outras (mais do que do tempo que passam com os maridos, namorados ou filhos) que elas tiram ânimo, força, alegria e disposição. E “as meninas” – com idades que vão da casa dos 50 à dos 90 – estão sempre no agito: trabalhando em projetos voluntários e nas próprias carreiras, fazendo viagens, festas e encontros frequentes.
Da minha parte, sinto que quanto mais envelheço mais lúcida fico. E mais me (re)aproximo das mulheres importantes da minha vida. Descobri essa importância só aos 38 anos, no chá de fraldas da minha filha, em que me vi cercada por dezenas de mulheres que me encheram de um carinho e uma força quase palpáveis. Mãe de menina que sou, não sou indiferente ao quanto ainda se cria o discurso de que “a companhia dos meninos é mais divertida”. Por sorte, minha pré-adolescente de 11 anos já entendeu que existem coisas que apenas as amigas são capazes de nos oferecer, e que um tipo de amizade não suplanta a outra – complementa.
Não por acaso, quem me mostrou há alguns dias o então recém-nascido projeto da Lari foi uma das minhas parceiras mais próximas, com quem integro um trio que se encontrou por acaso em diferentes momentos da vida e finalmente se uniu primeiro em um grupo do Whatsapp usado para trocar desabafos, planos, dicas e risadas. Em plena pandemia, nos permitimos nos encontrar pessoalmente e, hoje, nossos almoços às vezes se estendem por tardes inteiras de conversa com trabalho ou tricô e crochê e chá das cinco, apenas porque sim.
No dia a dia, tenho a alegria de dividir o espaço de trabalho com outra amiga com quem revezo o ombro, a atenção, o colo, o carinho de quem acolhe as dores e comemora os sucessos uma da outra. Em casa, conto com a minha única funcionária que, em quase 10 anos de convivência, entre idas e vindas, virou uma amiga querida. Mesmo nas vezes em que não tínhamos um contrato de trabalho nos ligando, seguíamos conectadas. E tem também as amigas da família, que moram no meu coração “apesar” de serem parentes.
Sem esquecer o grupo de mães de colegas de ensino infantil da Lina, com quem descobri muito mais em comum do que a idade dos rebentos. Juntá-los para brincar, admitimos, é uma desculpa para nós mesmas nos vermos. “Com quem a gente deixa as crianças?” é um chiste que costumamos fazer ao marcar esses encontros.
Muitas são amizades de longa data, de décadas, que sobreviveram a fases sombrias e menos inspiradas de cada uma. Que venceram o afastamento inevitável causado pelo tempo e a vida cotidiana, em que aprendemos com as transformações individuais e damos um jeito de conviver com as diferenças. Por certo que a distância física atrapalha, mas mensagens interessadas trocadas de vez em quando cuidam para manter afetos mesmo que uma esteja em Porto Alegre e a outra em Punta del Este, Rio de Janeiro, São Paulo, Niterói, Florianópolis, Nova York, Los Angeles ou numa cidadezinha do interior da Suécia.
Na meia idade, a expressão “melhores amigas” ganha um novo significado. Não precisamos estar sempre grudadas, não precisamos compartilhar tudo, mas sabemos que, na hora do aperto ou da alegria, estaremos lá umas pela outras. Nem que seja com um comentário mais efusivo ou cuidadoso feito pelo WhatsApp ou nas redes sociais.
Sempre é tempo de fazer novas amizades
Recentemente viralizou uma entrevista em que a atriz, ativista política e ícone do cinema Jane Fonda fala dessa importância da amizade feminina. Procurando pelo trecho, acabei deparando com um vídeo do TED de 2016 que ainda não tinha visto – uma divertida entrevista dela ao lado da amiga de muitos anos Lily Tomlin. Em ambos os vídeos, e em tantos outros que podem ser encontrados inclusive legendados em português, elas comentam a principal diferença entre a amizade de homens e mulheres. Segundo as duas atrizes, a amizade feminina é frente a frente, enquanto a masculina, lado a lado. As mulheres se olham nos olhos e percebem a interlocutora, enquanto os homens não compartilham sentimentos, preferindo falar sobre temas como carros, mulheres e esportes.
“A amizade feminina é como uma fonte renovável de energia”, diz Jane. Mulheres que valorizam as amigas sabem o quanto de verdade existe aí. A estrela (que interpreta a Grace, do maravilhoso seriado Grace e Frankie), defende que sempre há espaço para novas amizades, mas ensina: é preciso persegui-las e desenvolvê-las. Mas não há por que considerar isso como mais uma tarefa a pesar na agenda. Uma mensagem perguntando como vai a vida e oferecendo um tempo de escuta de vez em quando não custa quase nada – e pode valer muito.
Foto da Capa: Elina Fairytale / Pexels