Enchentes no Rio Grande do Sul, terremoto no Haiti, deslizamento de terras em Brumadinho, tsunami na Indonésia. Ganham manchetes pela magnitude. Mega tragédias de capa de jornal, de sites, de livros de história. Que se tornam muito mais dolorosas quando enxergamos que são, na verdade, tragédias individuais. E que acontecem aqui, e não somente lá. Não é uma manchete distante; é sim uma pessoa. Várias, milhares, eventualmente milhões, mas são pessoas. Tocam mais em cada um de nós porque poderia ser com cada um de nós. Temos a fantasia de estarmos protegidos. Por nós, pelos pais, por Deus. Temos a fantasia de termos o controle e de que tudo vai durar.
O “para sempre” é uma fantasia dourada. A imortalidade é uma certeza por boa parte da vida, mesmo se tendo certeza de que ela não existe. Sabemos que a vida acaba, mas esse é um conhecimento teórico para um futuro distante. No planejamento da vida, é lá no final que vamos perceber (aceitar ou não, é outra história) que o livro não é infinito, e que existe uma última página.
Mas até que ponto se pode planejar a vida? O aparecimento dos imprevistos é mais do que previsível; é uma certeza. Mas é assustador. Aquele momento, que não se sabe quando será, como será, o que trará. Aquele momento apavora, e por isso preferirmos fazer de conta que não existe. É o momento do acidente. Do diagnóstico. Do telefonema na madrugada. Do motorista bêbado. Do estralo e da ruptura. O momento em que se ouve a notícia. Queremos que não seja nada, queremos voltar atrás um segundo.
Negamos muitas vezes, pela certeza (leia-se “desejo”) de que vai desaparecer em seguida. Mas não, simplesmente tudo mudou; aquela vida não existe mais. Não é um pesadelo; acordar pela manhã não vai fazer desaparecer. Pelo contrário: acordar pela manhã significa encarar, novamente e para sempre, a nova realidade. Inesperado, geralmente, ele existe: o momento a partir do qual a vida nunca mais será a mesma.
Pequenas alterações inesperadas de rota são diárias, fazem parte do cotidiano. Mas as grandes mudanças súbitas, chocantes e surpreendentes explodem quando menos esperamos. Pensamos que só para os outros, até que batem na nossa porta. Ou na nossa cara. Precisamos prevenir. Sempre. Muito. Mas, por definição, o imprevisível não é previsível. Melhor viver a vida, aproveitar o agora, pois o momento do “tudo muda” está aí, para surgir a qualquer hora, para todos.
Leandro Ioschpe Zimerman é cardiologista, Doutor pela Duke University (EUA), professor da Faculdade de Medicina da UFGRS e Membro Titular da Academia Sul-Riograndense de Medicina. Escritor amador nas poucas horas vagas, publicou um livro ("Férias no meu mundo") onde divaga sobre as coisas de que mais gosta: família, medicina, futebol, ironia fina, uma boa conversa, um bom silêncio.
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