Desde criança sempre gostei de fotografia e me chamava muito a atenção quando olhava as fotografias da minha família e via fotos recortadas, retirando uma pessoa da foto. Depois descobri que eram pessoas que haviam morrido e os familiares as retiravam da foto como uma forma de não lembrar daquela pessoa. Minha mãe me contou que, quando ela era criança, morreu uma das suas irmãs, que era poucos anos mais velha do que ela, e todas as suas roupas, bonecas e brinquedos foram colocados num baú e ninguém mais falou no nome da falecida na casa. Acredito que este fosse também o hábito de outras famílias da primeira metade do século passado, que evitavam falar dos entes queridos falecidos recentemente. O Dia de Finados não mudou no último século, continua sendo o dia em que as famílias visitam os túmulos, colocam flores e fazem orações. Milhões de brasileiros visitam os cemitérios no dia 2 de novembro.
Eu tenho familiares e amigos enterrados em cemitérios na minha cidade, mas confesso que não lembro a última vez que fui visitar túmulos no Dia de Finados. Respeito quem faz isto, mas eu gostaria que tivéssemos a tradição mexicana do “Día de los Muertos”, quando eles celebram esta data com festa e alegria e não com a tristeza que costuma nos envolver neste dia. Hoje não recortamos mais as pessoas das fotos, mas continuamos sofrendo com a perda de quem já se foi.
Gosto da visão de Santo Agostinho:
A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo. Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza. A vida significa tudo o que ela sempre significou. O fio não foi cortado. Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho… Você que aí ficou, siga em frente… A vida continua, linda e bela como sempre foi.
Recentemente, perdi a convivência da minha mãe e de amigos próximos e senti muita dor, mas aprendi a ressignificar estas perdas. Hoje busco nas lembranças das coisas boas que vivemos juntos, do que estas pessoas significaram para mim, uma forma de mantê-las vivas no meu coração. Na casa onde vivia minha mãe, hoje vive um dos meus irmãos e lá estão as fotos e objetos dela. Quando nos reunimos ou nas conversas no grupo da família, ela é um dos temas mais frequentes. Sempre falamos com alegria e recordamos suas histórias. Todos temos uma profunda gratidão por termos tido a oportunidade de conviver e desfrutar da sua companhia.
Então, este Dia de Finados será mais um dia em que multidões irão frequentar cemitérios, levarão flores e participarão de cerimônias religiosas. Eu não visitarei nenhum túmulo, mas farei minhas orações como sempre faço. Vou aproveitar o feriado para olhar fotografias destas pessoas e transformar a saudade em recordações cheias de vida. Concordo com Santo Agostinho, nós vamos continuar vivendo mais um tempo no mundo das criaturas e elas já estão no mundo do Criador. E como diz Milton Nascimento em Canção da América: “Qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar”.
Foto da Capa: Freepik
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