Antes de entrar em conceito de futuros, afrofuturos… eu desejo hoje explorar a capacidade de imaginar e reimaginar. Se você nunca pensou segue meu fio… tudo que existe hoje foi imaginado ontem por alguém e depois disseminado por muitos alguéns.
Entre a utopia e a distopia sempre existiu uma criação imaginária que prevaleceu. O futuro humano sempre foi construído através da imaginação. Eu ontem pensando sobre o Dia da Consciência Negra vi um post e pensei: genial. O post dizia:
“Imagina que um dia alguém imaginou que podia ir até outro continente. Caçar pessoas, mulheres, crianças… jogar dentro de um navio insalubre e quem sobrevivesse ao chegar seria leiloada e seria escravo de outro alguém que pagou e teria direito de obrigar a trabalhar, privar da liberdade… e aí vai…”
Tudo começou na imaginação (perversa) de alguém que se sentiu no direito de imaginar e concretizar. E aí moldou um futuro. Um futuro de toda uma descendência daquelas pessoas do continente africano. Os tecnicistas sempre pensam no futuro como algo ligado a tecnologia, e até estão certos pois tecnologia é o modo de fazer humano. De certa forma a escravidão foi uma tecnologia. Assim como um carro voador, ou a ida a lua. Tudo começou na imaginação e alguém resolveu e achou meios de colocar em prática.
Então, mais do que pensar aqui em diversas teorias críticas e fundamentos que complexificam a imaginação, eu queria continuar nesta linha… Uma linha simples de pensamento convidando o leitor, leitora a reimaginar radicalmente o hoje… pois é reimaginando que se pode criar disrupção e inovação real. Saltos tecnológicos que nos levam a futuros. Mas tudo começa hoje.
Há 50 anos atrás quando jovens universitários negros levantaram a ideia do Dia da Consciência Negra em POA estavam buscando reimaginar radicalmente o hoje. A data não foi imaginada por eles como celebração da sociedade, mas de afirmação da existência negra enquanto pertencentes a sociedade brasileira. A Data foi instituída como um convite a se reimaginar esta sociedade racista que nos tirou a identidade, a possibilidade de viver plenamente. O 20 de novembro é uma data para afirmar nossa existência, mas para isto pessoas negras precisam tomar ciência, consciência, quebrar os limites imaginários que nos foram enquadrados pelo racismo.
O convite daqueles jovens há 50 anos atrás era chamar as pessoas negras para reimaginarem radicalmente o hoje. Nunca vi ninguém dizer, mas aqueles jovens negros eram afrofuturistas.
A partir da década de 80 passou a circular o conceito de Afrofuturismo nos EUA como uma estética cultural, filosofia da ciência, filosofia da história e filosofia da arte que combina elementos de ficção cientifica, fantasia, arte africana e arte da diáspora africana, afrocentrismo e realismo mágico com cosmologias não-ocidentais para criticar não só os dilemas atuais dos negros, mas também para revisar, interrogar e reexaminar os eventos históricos do passado.
Cunhado por Mark Dery em 1993 e explorado no final da década de 1990 através de conversas lideradas pela estudiosa Alondra Nelson, o afrofuturismo aborda temas e preocupações da diáspora africana através de uma lente de tecnocultura e ficção científica, abrangendo uma variedade de meios de comunicação e artistas com um interesse compartilhado em imaginar futuros negros que decorrem de experiências afrodiaspóricas.
Os trabalhos semiafrofuturísticos incluem as romances de Samuel Delany e Octavia Butler; as telas de Jean-Michel Basquiat (ilustração da capa) e Angelbert Metoyer, e a fotografia de Renée Cox; os mitos explicitamente extraterrestre dos músicos do coletivo Parliament-Funkadelic, Jonzun Crew, Warp 9, Deltron 3030 e Sun Ra; e os quadrinhos do super-herói Pantera Negra, da Marvel Comics.
No Brasil, o Afrofutursimo ganhou novas tonalidades e reinterpretações potentes partindo da premissa da ideia radical de que pessoas negras existem no futuro”. É assim que Natály Neri, criadora do canal Afro e Afins, definiu o afrofuturismo no TEDX Petrópolis. Morena Mariah, estudiosa do movimento e criadora do Afrofuturo, também gosta de usar esta definição.
“Parece muito óbvio, mas não é. A gente vive uma realidade de opressão e violências que são herdadas do processo de escravização e já duram alguns séculos. Elas só vão se atualizando e mudando de cara. Não está garantida a existência negra no futuro, então o afrofuturismo se propõe a questionar a realidade do presente”, diz Morena.
É um movimento que vai buscar na ancestralidade uma ponte para a experiência do negro no futuro”, define Ale Santos, autor do livro Rastros de resistência: Histórias de luta e liberdade do povo negro.
Esta retomada da identidade do passado, para criar a ideia de futuro, também ajuda a população negra a sentir orgulho de suas raízes. Destrói a ideia de que o seu passado é composto apenas por escravidão, sofrimento e miséria, como é retratada na maioria das obras do entretenimento e torna-se uma forte ferramenta na luta contra o racismo.
Usar a reimaginação radical seja para se reconectar a uma ancestralidade livre e potente é um instrumento poderoso para se construir um futuro de existência e resistência. E quem sabe assim trazer da imaginação criativa o mundo de Wakanda onde tecnologia convive com ancestralidade, onde mulheres pretas são protagonistas, onde homens pretos são cientistas, líderes, onde a acessamos riqueza e vivemos em equilíbrio. Se tudo começou na imaginação de alguém, a nossa imaginação também já criou um mundo onde somos potência. Então, se somos capazes de imaginá-lo, seremos capazes – mesmo com a adversidade do presente – de realizá-lo.