Uma caminhada em nome da saúde física me fez olhar ao redor com mais intensidade e experimentar mais uma vez o preconceito, sem disfarces. Curiosidade que chega através de olhares invasivos, acompanhados de risos, deboche, piadas entre dentes que já ouvi muito – “Levanta do chão”, “Mulher de bolso”, “Pintora de rodapé” e por aí afora. A pergunta que fica é: o que acontece justamente agora, quando conseguimos encarar o preconceito sem meias palavras? Quando acessibilidade, inclusão, diversidade e sustentabilidade são temas discutidos, que estão na pauta das escolas, das instituições, dos governos, das famílias, da mídia?
Já participei de muitos encontros falando sobre estes temas com estudantes e professores. E o que me inquieta é que essa discriminação vem de jovens que andam em grupos pelas ruas e de senhores e senhoras que se admiram de me ver andando, fazendo compras, fazendo exames médicos em laboratórios ou me divertindo. Os comentários são bizarros. Recentemente ouvi – “Corajosa! Veio fazer os exames recomendados pelo médico e está sozinha.” E são nesses momentos que, mais uma vez, a arte, a música especialmente, me socorre e me faz rir internamente. Canto baixinho “Dom de Iludir”, de Caetano Veloso – “Não me olhe / Como se a polícia andasse atrás de mim”. E sigo andando, já não tão forte e animada como gostaria. É que bate um desencanto. Inevitável!
Fica difícil entender a discriminação depois de inúmeras conquistas e movimentos fortes pelo acolhimento das diferenças. Mas, apesar da indignação e do cansaço, sigo meu caminho. Parece que há, nos dias atuais, uma autorização explícita que não está voltada para a empatia, o diálogo, a solidariedade, a convivência harmoniosa. Muito pelo contrário. O que estimula o que há de mais desumano nos humanos? Precisamos nos defender uns dos outros? Andar como se o nosso jeito e as nossas vidas fossem proibidos? É assim?
Uma das respostas é que parece que perdemos o freio, ou o rumo, diante da tão festejada era tecnológica, que faz os automóveis voarem, possibilita investigações extraordinárias, conecta e vigia o mundo e cada um de nós, mas não consegue deter o preconceito, nem a violência. Pelo contrário, acirra! Basta uma olhada rápida no vale-tudo das redes sociais. No que estamos nos transformando? Para onde vamos? O que queremos? Por que queremos?
Qual é o sentido do nosso andar?
Um andar que tropeça na ética e pisa na vulnerabilidade de uma população desigual que precisa andar pelas ruas, mas não é bem recebida por conta da sua condição, das suas escolhas, da sua cor, da sua opção sexual e do seu comportamento. Muitas vezes, precisamos apenas de um gesto, de uma gentileza discreta e de uma palavra, sem a contaminação da ótica capacitista que não vê talento em uma pessoa com deficiência ou com uma diferença marcante, seja física, mental ou intelectual. Aquele olhar que permeia muitos ambientes e nos vê como seres inferiores ou menos capazes.
Mas a coragem volta. E outra canção me impulsiona – “Eu quero é botar meu bloco na rua”, de Sérgio Sampaio, que Lenine canta lindamente. Quero andar livre, leve e solta, de mãos dadas com a arte. Brincar, dançar, cantar sem me esconder. De preferência, no meio de todo mundo, como nos carnavais que tanto me embalaram e acolheram.
Será que é querer muito?
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Foto da Capa: Reprodução do Instagram