A morte de Bebeto Alves mexeu muito comigo na madrugada de domingo, 6 de novembro, para segunda-feira, 7, e o dia amanheceu nebuloso e triste. Sempre fui fã desde que ele surgiu no cenário das artes em Porto Alegre para depois ganhar o Brasil e expandir sua música e sua criação para além das canções. Fui, então, remexer em guardados e encontrei o texto abaixo, que escrevi sobre Bebeto em 20 de julho de 1987 para o programa Palcos da Vida, da TVE/RS. Uma singela e amorosa homenagem!
Um bando e muitos outros
Expressão que ficou na minha vida. Costumo usar quando quero me referir a pessoas com quem convivo e tenho afinidades
Foi lá pela segunda metade dos anos 1970 que Bebeto Alves surgiu nos palcos da vida porto-alegrense. Era o tempo das “Rodas de Som” nas madrugadas das sextas-feiras, produzidas pelo cantor e compositor Carlinhos Hartlieb, outro grande nome da cena musical gaúcha, pelo trabalho como compositor e pela liderança cultural. No início de 1975, Carlinhos, que já se foi faz tempo, passou a produzir as “Rodas de Som” no Teatro de Arena e sempre trazia novos nomes da cena musical.
Bebeto integrava o grupo Utopia, com Ricardo e Ronaldo Frota
Duas violas e um violino. Som acústico novo, ousado, harmonioso, numa época em que os acordes das guitarras elétricas detinham o poder. O grupo Utopia se desfez em julho de 1976, mas Bebeto continuou levando, na voz forte e bonita, o sentimento e a solidão do pampa para misturá-los ao burburinho da cidade grande e à pressa dos urbanos.
Pleno das suas origens de menino criado nas barragens do rio Uruguai, buscou o mar. Fundiu-os. Levou milongas, violas, guitarras e a sua presença marcante. Estabeleceu pontes. Abriu porteiras. Galopes. Horizontes. Despedidas. Inverno e verão. O porto escancarado ao mar. Um bando e muitos outros, como dizia a canção. Alquimia que resultou no primeiro disco individual, gravado entre março e abril de 1981, no Rio de Janeiro, onde mescla, com rara beleza, a amplitude do pampa aos sons encontrados pelo caminho, agora feitos também de ruídos metálicos, esquinas e a solidão das multidões.
“Entre um chorinho e esse tal de roque, entre um baião e um chote”, a sua milonga tomou outras formas, assumiu outros ritmos.”
No segundo disco, de 1983, tornou explícita a notícia urgente de que Bebeto Alves era um compositor/cantor brasileiro que cantava, com as suas raízes, os sentimentos universais. O verão carioca, o som das discotecas, a música jovem, a política do corpo, a vontade de fazer sucesso levaram Bebeto ao terceiro disco, dançante, sonoro, moderno, bem mais urbano e identificado com a vida no Rio de Janeiro. Novo País foi gravado em 1985. Depois, um período de reciclagem. Sua volta ao sul. O pé na estrada mais uma vez. Nova Iorque. Outras tantas andanças. Redefinição de caminhos. E o caminho de casa novamente para a gravação de mais um disco, o quarto, no Porto de Elis.
Luís Alberto Nunes Alves/Bebeto Alves, 33 anos, é um milongueiro das barrancas do rio Uruguai que ouviu Elvis Presley, cantava em inglês nos programas infantis de rádio, era crooner de conjunto de baile, ainda em Uruguaiana. Em Porto Alegre, curtia com os amigos a guitarra e a loucura de Jimmy Hendrix, o blues e agitava os ares da cidade com sua música forte, regional/urbana/universal, resultado de muitas e bem assimiladas influências. Hoje, entre os muitos caminhos e os muitos voos, Bebeto ainda resgata, como poucos, os elementos do folclore da sua terra natal, incorporando-os às influências da música latino-americana, música urbana brasileira e ao novo que está por aí e que virá. Criou asas. E nos levou para voar com ele.
Porto Alegre, 20 de julho de 1987
Também publiquei este texto no meu blog em 22 de outubro de 2019. Agora chega à Sler porque eu não poderia deixar de me manifestar na despedida de um artista que sempre curti e que enfrentou com coragem vários problemas de saúde nos últimos anos, sem desistir. Participou do grupo Los 3Plantados, ao lado de King Jim e Jimi Joe. Os três passaram por transplantes de órgãos e faziam shows e campanhas para doação.