Yolanda Gampel (foto da capa) é uma psicanalista argentina, radicada em Israel, desde os anos 60. Longeva, teve tempo de doutorar-se com Didier Anzieu em Paris, além de conviver com outros colegas célebres, como, hoje, ela mesmo se tornou. Uma trajetória assim longa e expressiva não deixaria de apontar para muitas qualidades humanas, com destaque à atenção para questões sociais, sobretudo envolvendo Guerras.
Yolanda trabalhou com sobreviventes do Holocausto, mas a sua atuação transcendeu até mesmo isso, porque ela atuou nas Intifadas. E, com colegas palestinos, trabalhou em Gaza, interrompida tão somente pela interdição do Hamas, sempre contrário a acordos.
Em tempos de polarização ideológica tão acirrada, essa qualidade de Yolanda se destaca pela grandeza de lutar por uma paz que só pode existir plenamente se incluir a todos, acolhendo também aqueles que não pertencem à sua filiação original. Chegou a ser criticada por isso, mas jamais recuou.
A essa altura de um caminho tão bonito, haveria muitas histórias para contar dessa mulher. Destaco uma que ouvi, recentemente, em um relato emocionado de Ana Rosa Chait Trachtenberg, psicanalista brasileira. Yolanda, que se mantém trabalhando, estava em atendimento presencial, quando percebeu que o telefone tocava sem parar. Desconfiando de que pudesse ser alguma urgência, interrompeu a consulta e passou a atender, à distância, uma colega, ao sul de Israel. Essa não sabia mais o que fazer, diante de um bebê que apresentava um choro pungente, incoercível.
Yolanda pediu, então, para falar com a mãe do bebê e, de forma empática e sintética, aconselhou que ela explicasse ao filho o quanto ele precisava compreender que os braços de sua mãe já não eram mais os mesmos, desde os atentados terroristas de 7 de outubro. A mãe o fez e, pronunciada a última palavra sugerida, o bebê adormeceu em paz.
A emoção que senti ouvindo levou-me a um tempo e a um pensamento. O tempo foi o de convivência com o psicanalista Serge Lebovici, meu professor na França, nos anos 90, e cujo pai, o pediatra Solon, foi detido pela polícia nazista, nos anos 40, em plena Paris ocupada. Ele teve presença de espírito para salvar a esposa, no momento em que foram abordados, dizendo ao soldado que o único judeu ali era ele, e não tinha vínculo nenhum com “aquela prostituta” que caminhava a seu lado.
Salvou a mulher e desapareceu. Já o filho Serge, que nunca mais viu o pai, contava com a fama de verdadeiro bruxo em Bobigny, por levar ao sono tantos bebês angustiados. Quanto ao meu pensamento, era mais um sentimento marcado pela convicção de que Yolanda se mobilizaria, igualmente, para fazer dormir – e sonhar – qualquer bebê que precisasse de suas palavras.
Poderia ser em Tel Aviv, em Buenos Aires. Ou em Gaza.
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