Uma vez me disseram: escreve um desejo que ele passa a ter mil vezes mais chances de se realizar. Pois então não vou perder a oportunidade que essa coluna me oferece, ainda mais que o Natal está quase aí: eu quero ver a Sete de Setembro transformada em uma rua agradável de caminhar, aprazível como um bulevar.
Penso nisso desde os anos 1980 quando trabalhava dentro dos escombros do antigo Majestic Hotel para transformá-lo na Casa de Cultura Mario Quintana. Está mais do que na hora de botar esse desejo por escrito.
Ainda antes da inauguração da Casa não foi difícil sensibilizar a secretaria de Obras de Porto Alegre a nos deixarem alargar o passeio na sua frente. Não queríamos automóveis tapando sua fachada. O resultado ficou tão bom que cheguei a imaginar que o gesto se propagaria naturalmente por toda a rua. Que nada, ficou por ali mesmo.
O pior é que segue sendo uma tristeza ver aquela rua larga com calçadas tão estreitas e tanto asfalto para carros estacionarem de forma oblíqua. Um antigo Plano Diretor também não ajudou em nada ao decidir que aqueles quarteirões seriam o lugar ideal para sedes e agências de bancos (no tempo que atraiam multidões) e edifícios garagem. É preciso lembrar que os bancos fecham às 17h e o medo não demorava muito a chegar. E não demora ainda hoje. O Cine Rex, com suas maravilhosas poltronas reclináveis, não resistiu. Fechou.
Com o tempo as agências se esvaziaram e, hoje, a Sete de Setembro só é prestigiada pelo amontoado de automóveis que ocupam seu chão. Duas calçadas de 2,5m para 15,5m de asfalto e nenhuma árvore em tempos de emergência climática!
O trecho do outro lado da Praça da Alfândega é ainda mais sofrível com aquelas horrorosas estações de lotação cobrindo fachadas de interesse arquitetônico. Sendo muito mais movimentado pela ligação direta que faz entre o Mercado e a Praça da Alfândega, os pedestres literalmente fazem malabarismos para se manterem nos limites dos passeios. Não conseguem, caem no asfalto. A caminhada do Mercado à Praça Brigadeiro Sampaio é muito desagradável, salvo quando se cruza o oásis da Praça da Alfândega. Um respiro para não se perder a fé: a cidade pode ser muito melhor.
E já que estou escrevendo desejos em época de Natal, vou pedir mais. Queria ver circulando na Sete de Setembro um VLT (o bonde moderno) igual ao da Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro. Não como linha turística, mas funcional, ligando a Rodoviária ao Gasômetro, passando pela Voluntários da Pátria. Aos poucos, tenho certeza, os térreos do último trecho começariam a ser reformados para usos comerciais como lojas, cafés e outros serviços. A saturada Rua dos Andradas ganharia desafogo com essa nova via paralela e o VLT estaria equidistante das zonas habitadas e do Cais Mauá.
Não duvido que o resultado seria tão bom que logo veríamos ramais do VLT subindo e descendo a Borges de Medeiros, desviando-se pela Salgado Filho para chegar na Santa Casa e, talvez, descer a Barros Cassal para o circuito se fechar. Sem deixar de desejar que ramais seguissem conquistando trilhos que já foram seus.
E porque não sonhar com o VLT implantado, substituindo o trecho do Trensurb da Rodoviária ao Mercado liberando o Muro da Mauá para receber novas comportas. Uma para cada eixo de rua que chega nele. Começaria aí o sonho de um centro só, como já o foi por mais tempo de que não o é. Um bom projeto urbanístico com parceria privada poderia revitalizar os dois lados do Muro, integrando-os para que nunca mais fossem vistos como algo separado.
Vejam quanta coisa boa se pode desejar para uma cidade quando a gente se permite olhar o absurdo que é aceitar que 75% de uma rua sem trânsito expressivo seja coberta de asfalto. A Sete de Setembro pode vir a ser totalmente diferente do que é hoje, o centro pode ser diferente, a cidade pode ser muito melhor do que é. É só comparar a Praça da Alfândega antes e depois do Monumenta. Queria que o Monumenta continuasse dando frutos, se espalhando por outros caminhos do Centro Histórico. Equipe técnica para isso a prefeitura já demonstrou que tem. Só falta vontade política para isso voltar a acontecer.
Mas isso só virá se não nos conformarmos em seguir com a visão de que as ruas foram feitas para circulação de veículos. Não, elas são espaços públicos para as pessoas. Se as pessoas precisam de meios para chegarem até elas, que sejam oferecidos, mas que não se permita que ocupem o espaço público para estacionamento de veículos particulares. Há meios mais civilizados de se locomover. O transporte público é um deles.
O novo centro administrativo da prefeitura e a ocupação de antigas sedes de bancos por repartições públicas estão levando mais público para a região da Sete de Setembro. Facilitar seu acesso e tornar o ambiente mais agradável é um passo natural que tira de mim o peso de estar escrevendo um desejo louco. É factível, um dia ainda pode acontecer.
Foto da Capa: @olho2021 @flaviaaazambuja