A pressa é, geralmente, inimiga da pefeição!
Muitas vezes causa erros de digitação e revisão, como esse acima, obviamente proposital, mas muitas vezes a imperfeição é pelo que deixamos de ver ou escapar no nosso cotidiano.
Dias atrás, eu estava com uma pressa danada para fazer o que julgava urgente. Andava – quase corria – rapidamente pelas ruas de Santos, a caminho do apartamento em que vivemos, Maria e eu.
Cortei caminho por uma praça, que descobri depois ser do INSS, no bairro Aparecida, e vi com o canto dos olhos um casal de idosos, encostado em uma espécie de canteiro circular de árvores.
Ela tinha na mão direita um carrinho de feira. Nas mãos dele, uma bengala.
Era um casal lindo. Uma cena linda também.
Quis parar para observá-los. Talvez conversar.
Mas segui rapidamente em direção ao meu compromisso supostamente inadiável.
Já na quadra seguinte, o cérebro e o coração empacaram minhas pernas. Não consegui prosseguir:
– Não. Eu não vou fazer isso. Estou com pressa. Tenho que chegar em casa – disse para mim mesmo, quase como uma ordem.
Foi inútil. Quando vi, estava de volta à praça.
Tinham se passado poucos minutos e o casal ainda estava lá.
Aproximei-me:
– Posso fazer uma fotografia de vocês?
– Mas por quê? – indaga o senhorzinho.
Respondo:
– Porque vocês são lindos.
Eles riem saborosamente e dizem que sim.
Faço a foto.
Pergunto se posso fazer mais algumas. Eles consentem. Enquanto tiro os retratos, indago há quanto tempo são casados.
– Desde 1969 – ele diz.
Ela acrescenta:
– Desde 13 de dezembro!
E ele:
– Uma sexta-feira…
Parecem simples detalhes. Não são!
Eles não dizem a data só para que eu saiba. Percebo que querem reafirmar um para o outro que lembram a data – e tudo mais – com ternura e amor…
– Desde que o homem foi pela primeira vez à Lua – digo, sei lá por qual motivo, talvez por associar desde sempre o nosso satélite com poesia e romantismo.
Prossigo a conversa. Quero saber de onde são:
– O senhor é português?
Descubro que nasceu na Espanha.
E quase fico constrangido.
Fiz um erro de português; ou de espanhol, sei lá. Sem querer, fui indelicado. Seria como alguém perguntar lá fora se sou argentino.
– Por que não perguntei simplesmente de onde ele era? – questiono-me silenciosamente.
Mas ele é delicado:
– Sou vizinho! – diz.
O senhor Lino, nasceu na Galícia, Espanha, onde trabalhou desde menino na lavoura. Chegou ao Brasil em 1961, ano em que nasci, e trabalhou alguns anos em um posto de gasolina. Depois, trabalhou por oito anos em um navio holandês, período em que teve a oportunidade de conhecer vários países.
Já em Santos, adquiriu uma “barraca de jornais” na esquina da rua Alexandre Martins com a avenida da praia, que teve por 33 anos, até se aposentar.
Lourdes, 83 anos, nasceu em Pernambuco. Trabalhou “como doméstica” e depois, junto com o marido, trabalhou na banca de jornal.
– Desde o primeiro dia – ele destaca!
Indago se a banca ainda existe.
– Sim – ele responde. E acrescenta: – mas agora vende biscoitos…
Elogio a jovialidade de ambos.
Impressionado com a pele de ambos, pergunto o segredo.
Não há um único.
Antes de mais nada, destacam que é bom demais viver em Santos.
Ele opina:
– Santos não é bom para ganhar dinheiro, mas tem uma qualidade de vida maravilhosa.
Ela revela:
– Um dos segredos é dormir muito. Graças a Deus, não preciso tomar remédio para dormir. Também é preciso comer muita fruta, muita verdura, quase não comer carne vermelha e caminhar bastante.
Quero saber se ainda caminham.
Ele se inclina levemente e diz, enquanto toca com as mãos nas pernas – na altura das canelas e dos joelhos – e nas costas:
– Tenho dor aqui, aqui e aqui. Por isso não caminho mais. Mas ando 30 minutos por dia dentro do meu apartamento.
Lourdes faz questão de dizer:
– Eu também!
E eu faço questão de elogiar:
– Mas dentro do apartamento também é caminhada!
Estou encantado pelo casal e quero saber mais! Pergunto se têm filhos.
Respondem que não. E que sim.
Não tiveram filhos, mas criaram cinco meninas.
– Cinco! – exclamo com espanto.
Eles falam sobre as meninas, elogiam todas e fazem questão de contar um pouco mais sobre a caçula, Xaine.
– A mais nova é a que mais cuida da gente. Nem se fosse filha natural seria tão carinhosa – conta Lino. E acrescenta:
– E meu genro, Felipe, não é genro. É um filho que ganhamos.
Eu gostaria de ter ficado mais tempo, interagido mais, sabido mais, feito anotações, mas me despedi e fui, agora correndo, para o apartamento, para terminar o que estava pendente e antes mostrar a foto e contar todo o diálogo para a Maria.
Provavelmente, mesmo que eu tenha feito as fotos, quase que você, leitora, leitor, fica também sem essa crônica. Eu não pretendia escrevê-la. Há tantos detalhes que deixei de perguntar. Nomes e datas que não confirmei…
Mas há uma hora e meia, enquanto escrevia e quase finalizava minha crônica para a “Sler” desta segunda-feira, 26 de maio, sobre o prazer que o cronista tem ao ter o “retorno” de ao menos um leitor. Recebi pelas redes sociais a informação de que hoje, domingo, 25 de maio, é o “Dia da Adoção”. A data foi implantada no Brasil através de uma lei decretada em 2002, como forma de conscientização a respeito da importância da adoção.
Não vou buscar para você, leitora ou leitor, as informações sobre quantos órfãos existem no país, sobre quantas crianças estão abandonadas à espera de uma família.
Há informações suficientes no Google.
Você pode fazer isso sozinha (o).
Essa crônica, sei disso, não está perfeita (nunca está). As palavras estão um tanto jogadas, há algumas frases mal construídas. Não está “redonda”, como gosto.
Mas tudo bem. Essa é uma breve e imperfeita história sobre esse casal – Lourdes e Lino – maravilhoso e inspirador, que criou cinco filhas adotivas.
Não vejo nada mais perfeito para escrever no Dia da Adoção.
Lourdes e Lino adotaram cinco meninas. É inspirador, mas é claro que adotar uma criança ou mais não é a única forma de se fazer a diferença. O ideal seria que cada um de nós pudesse ao menos “adotar” uma causa ou, digamos assim, uma responsabilidade afetiva e efetiva.
Se esta crônica e, mais que isso, esse casal fez tu sentires vontade de fazer algo, e não fazes a menor ideia de como começar, aqui estão alguns passos.
*O Instituto Fazendo História (www.fazendohistoria.org.br), em São Paulo, conecta voluntários a crianças em abrigos, por meio de programas como o Apadrinhamento Afetivo.
*O Projeto Aconchego (www.aconchego.org.br), em Brasília, é referência em ações de apoio à adoção e convivência familiar.
*O Lar da Criança Emmanuel (www.larcriancaemmanuel.org.br), no Paraná, acolhe e cuida de crianças em situação de vulnerabilidade.
*A Aldeias Infantis SOS Brasil (www.aldeiasinfantis.org.br) atua em diversas cidades do País. As doações ajudam decisivamente no sustento e a educação das crianças.
*O Conselho Nacional de Justiça (www.cnj.jus.br) mantém o Cadastro Nacional de Adoção, com orientações claras para quem deseja adotar.
*A Fraternidade Sem Fronteiras (www.fraternidadesemfronteiras.org.br) permite o apadrinhamento à distância de crianças no Brasil e na África, com acompanhamento transparente.
*A Fundação Pão dos Pobres (www.paodospobres.org.br), em
Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, tem mais de um século de história e histórias. Acolhe crianças e adolescentes em situação de risco, oferecendo educação básica, cursos profissionalizantes e programas de reinserção social.
*A Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul – FPE (www.fpe.rs.gov.br/apadrinhamento-afetivo), em parceria com o Instituto Amigos de Lucas, oferece o serviço de Apadrinhamento Afetivo. Conecta voluntários a crianças e adolescentes em acolhimento institucional. Promovendo vínculos afetivos e contribuindo para o desenvolvimento emocional dos jovens.
Há também muitos outros carinhos e opções para quem deseja dar os primeiros passos nesse, verdadeiramente, caminho do bem. É possível colaborar com uma cesta básica, custear os estudos de alguém ou, até mesmo, doar tempo e escuta.
E veja que existem outras formas de adotar uma ação social, sem ser necessariamente voltada para crianças e adolescentes.
Aqui estão algumas entre centenas, talvez milhares, de opções:
*O Projeto Amparo Maternal (www.amparomaternal.org), em São Paulo, acolhe gestantes em situação de vulnerabilidade. Precisa, sempre, de apoio com enxovais, fraldas, doações e/ou voluntariado.
*Há plataformas como a VOAA (www.voaa.me), de financiamento coletivo do projeto Razões para Acreditar. Conecta doadores a campanhas de impacto direto — como pagar uma faculdade, um curso técnico ou até mesmo o tratamento médico de jovens em situação de vulnerabilidade.
Não pensei na hora do nosso encontro, mas agora, quando lembro do casal citado na crônica, vem a frase: “os dois são tão lindos que dá vontade de adotar”.
É apenas uma frase – e, felizmente, eles nem precisariam, porque, como está escrito, têm quem cuide deles. Mas há muitos idosos que geralmente se dedicaram a filhos e até netos durante a vida inteira, e hoje vivem sem recursos, sem atenção e sem afeto. Você pode também “adotar” idosos. Cito aqui algumas entidades que fazem trabalhos exemplares:
*O Lar Torres de Melo (www.lartorresdemelo.org.br), em Fortaleza, Ceará, fundado em 1905, é uma das instituições mais antigas do Brasil dedicadas ao cuidado de idosos. Oferece acolhimento integral, assistência médica, alimentação e atividades recreativas para mais de 200 residentes.
*O Grupo Vida Brasil (www.grupovidabrasil.org.br), em Barueri, na Grande São Paulo, atua no apoio a idosos em situação de vulnerabilidade. Promove atividades de convivência, saúde e bem-estar. Aceita doações financeiras e de materiais, além de contar com programas de voluntariado.
*A Unibes – União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social (www.unibes.org.br), na capital paulista, tem mais de 110 anos de atuação. Entre outros, desenvolve programas como o “Acolha uma História”, que auxilia idosos em situação de vulnerabilidade social a terem uma acomodação adequada em Instituições de Longa Permanência, gerando proteção e cuidados necessários. Este cronista, que foi ajudado pela Unibes em uma etapa bem difícil da vida, uma vez criou um slogan para uma campanha da instituição: “Unibes Venceremos!”
*A Casa de Felipe – Lar de Frei Luiz (www.lardefreiluiz.org.br/casa-de-felipe), no Rio de Janeiro, é uma Instituição de Longa Permanência para Idosos que acolhe 26 residentes com vínculos familiares fragilizados ou rompidos. Oferece atendimento multidisciplinar, que incluindo assistência médica, psicológica, nutricional e atividades de convivência.
Sempre vale a pena reforçar. Muitas situações e muitas pessoas tentam nos convencer de que “não dá para mudar o mundo todo”. Talvez até seja verdade. Tu tu podes – nós podemos – mudar o mundo de alguém. Com afeto, com atitude. Com olhar e ação para o “Outro”. Para os “Outros”.
É sempre possível encontrar uma forma de se doar.
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Foto da Capa: Acervo do Autor