O funcionamento do POA Inquieta pode ser difícil de ser compreendido para quem está acostumado a frequentar ambientes apenas com quem pensa parecido. Para quem já entrou em algum grupo, chamado de spin, sabe que o “campo”, o que rola no WhatsApp depende muito dos articuladores e dos membros ativos. Como estamos vivendo um momento turbulento em vários sentidos, acredito que este texto poderá ajudar as pessoas a entenderem melhor o contexto desse movimento. E, para quem nunca ouviu falar do POA Inquieta, pode ser uma fonte de inspiração para criar algo similar na sua cidade.
Desde que compreendi a ideia do POA Inquieta, lá por outubro de 2018, venho conhecendo várias pessoas e lados inusitados de Porto Alegre. Fiz amizade com gente que não teria a menor possibilidade de conversar se não fossem as rodas de conversa, os eventos, as conexões que esse grupo proporciona. E, como tinha feito a formação em Fluxonomia 4D, a pós-graduação em desenvolvimento de grupos da Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos (SBDG) e, principalmente, porque estava infeliz com o que estava vivenciando em Porto Alegre, entrei de cabeça na proposta do POA Inquieta.
À medida que conhecia as pessoas, percebia a potência do coletivo. Entendia que muita gente dali poderia colocar a mão na massa e fazer acontecer. Mas as coisas não aconteciam como eu achava que tinha que ser. Naquele momento de criação do POA Inquieta, a capital amargava com a insegurança, a cidade estava mais suja e o clima era de insatisfação por quem viveu os áureos tempos de profusão cultural e políticas afirmativas. Por um bom tempo, fui uma inconformada com o funcionamento do POA Inquieta. Pois sei que qualquer mudança, para ser efetiva, precisa ser criada, alimentada e gerida em grupo.
Cansei de ir em reuniões, de sugerir alternativas que passaram desapercebidas. E, depois de ter me desiludido, ficado afastada um tempo no grupo de articuladores, mas não deixando de “cuidar”, de ser a guardiã dos grupos que ajudei a criar: o Sustentável, o Resíduos, o Plantio/Clima, o Orgânicos, o Moda Sustentável e o de Mulheres (que optaram em se desligar do POA Inquieta porque preferiram ser um grupo fechado), sinto que o coletivo é resultado da energia que cada um que está ali consegue colocar. Ninguém pode dar o que não tem. E boa parte das pessoas que estão nos grupos é bem ocupada.
Como trabalho há muito tempo com organizações da sociedade civil e atuo principalmente em defesa da qualidade de vida, da ampliação da consciência de que estamos todos no mesmo barco (planeta) e que tudo está conectado, entendo que o POA Inquieta é um palco, um picadeiro onde várias coisas podem ser percebidas (e tudo depende do olhar e do coração de quem vê). Onde as pessoas se colocam ou não, onde é possível fazer uma leitura do cenário de um determinado contexto, se houver uma participação consistente de diversos lados.
Portanto, em época de eleição, aqueles grupos mais ativos, onde há maior número de postagens, às vezes há debates em torno de candidatos e suas bandeiras. Isso, naturalmente, se por um lado alivia a ansiedade de quem posta, por outro, faz com que muitos saiam desse ambiente minado que foge do objetivo principal do grupo. Confesso que já cansei de solicitar que os participantes mantenham o foco no objetivo central de cada grupo. Mas entendo que tudo é uma forma de exercermos a democracia.
Acredito que a diversidade de opiniões, a participação de gente que pensa bem diferente é uma oportunidade para que possamos ler o que passa pelas mentes de quem mora em outros bairros, está em outra esfera social. Aprendi muito lendo, ouvindo, visitando o pessoal que trabalha na separação da coleta seletiva. Assim como tive acesso a eventos e encontros com autoridades para tratar de temas coletivos. E ter participado dos eventos preparatórios e do próprio I Congresso de Educação Popular para a Cidadania, organizado pelo POA Inquieta e Ponta Cidadania, uma experiência que já relatei aqui na Sler, (clique aqui), justamente por sentir o quanto a cidade pode melhorar se cada um fizer um pouco mais pela coletividade.
A assistente social Simone Pinheiro integra o coletivo desde 2020 e participa de vários spins, entre eles, o Resíduos, o Boa Política, o Negócios Arte & Design, o Educação e Cidadania, o Diversidade e Inovação Social, o Sistema B, o Corona Vírus e o Capital Humana. Para ela, POA Inquieta, é um canal de discussões sobre diversos temas que impactam na vida de todos que moram em Porto Alegre. É um coletivo que funciona como rede de articulação, que se organiza de forma ativa, colaborativa e objetiva à transformação local. “Conheci pessoas de todas as “tribos”, diversidade de pensamentos e possibilidade de inserção em outros espaços. Existem dois subgrupos ligados à temática da reciclagem e sustentabilidade, que articula pessoas, traz informações, boas práticas e mapeamento de empresas e organizações que atuam na produção e na transformação dos resíduos gerados, com o objetivo de fomentar a sustentabilidade em Porto Alegre. Esses são os que participo de forma mais ativa. Acredito que o coletivo é uma forma de ativismo e de empoderamento para a construção de uma participação política de organizações em rede”.
Acredito que a colaboração, a atuação em rede e a vivência do respeito em espaços podem produzir muitos futuros desejáveis e exponencializar boas iniciativas. E, no coletivo, exercitamos, dentro do possível, o que cada um pode fazer. Até porque a proposta do POA Inquieta se baseia em rodas de conversa, em diálogos, a exemplo do que aconteceu em Medellín, que teve sua realidade transformada de ser um dos lugares mais perigosos para um dos mais criativos do mundo. Estive na capital de Antióquia junto com outros inquietos o ano passado. Senti o quanto o processo é de longo prazo, uma corrida de tartarugas, como sempre salienta Santiago Uribe (saiba mais aqui).
Nesse momento, onde instâncias democráticas têm sido atacadas de diversas formas, nada melhor do que ter espaços como esse para uma construção de iniciativas que visem o bem comum. Por isso, às vezes mesmo cansada, eu paro, respiro. Mas persisto. Sigo. Porque um mundo melhor só pode ser conseguido se conseguirmos ler, interpretar, o que nos cerca. E, principalmente, nos darmos conta do nosso processo em relação ao lugar onde vivemos. O POA Inquieta também é um indicador das forças que movem a cidade, tanto para frente, quanto para trás.
Sílvia Marcuzzo é articuladora do POA Inquieta e colunista da Sler