Woody Allen e Luis Fernando Verissimo tocando juntos em um bar em Nova York.
Melhor: Woody Allen e Luis Fernando Verissimo tocando juntos em um bar em Nova York antes (ou depois) de um stand-up escrito por eles.
Melhor ainda: tudo igual, mas você foi convidado a sentar-se à mesa com os dois depois do show para bater um papo e tomar uns drinks.
Variações desse encontro já aconteceram muitas vezes na minha cabeça. Isso porque sempre achei excepcional que dois dos meus maiores ídolos compartilhassem não apenas um estilo de humor muito parecido, mas amassem jazz, literatura e cinema, tocassem nas horas vagas (Verissimo, o saxofone, Allen, o clarinete) e tivessem nascido com menos de um ano de diferença (Allen em dezembro de 1935, Verissimo em setembro de 1936).
Menos óbvias, talvez pelo estilo de humor um pouco diferente, são as afinidades dos dois com Jô Soares, que também amava jazz, literatura e cinema, tocava nas horas vagas (bongô) e nasceu na mesma época (janeiro de 1938). Seja como for, o trio sax, clarinete e bongô totalmente daria samba naquele bar imaginário em Nova York – e em qualquer outro bar do planeta.
Com suas diferenças e afinidades, de estilo, formação e temperamento, Woody Allen, Luis Fernando Verissimo e Jô Soares compõem a santíssima trindade do humor da minha vida. E quando eu falo “vida” quero dizer da infância até a idade adulta – o que por si só já é um fenômeno. Humoristas que conseguem fazer crianças e adultos rirem são sempre os mais amados (Chaplin é o exemplo mais evidente).
Não lembro a primeira vez em que assisti a um programa do Jô Soares – provavelmente porque ele sempre esteve lá, ou seja, já trabalhava na televisão quando eu nasci. Faça Humor, Não Faça Guerra estreou na Globo em 1971, quando eu tinha cinco anos. Vem dali minha primeira memória afetiva relacionada à comédia: o quadro Lelé e Da Cuca, em que Jô contracenava com Renato Corte Real.
Descobri Verissimo um pouco mais tarde, graças a um livrinho de bolso chamado O Rei do Rock, coletânea de crônicas lançada em 1978. Como a capa tinha uma ilustração meio engraçada, li o livro convencida de que tinha sido escrito para crianças da minha idade. Não deixa de ser um pouco verdade.
Assisti ao meu primeiro Woody Allen mais ou menos nessa época. O filme era Um Assaltante Bem Trapalhão (1969), o segundo dirigido por ele. Até hoje acho que é a comédia mais engraçada que eu já assisti no cinema – considerando não apenas a qualidade do filme, que eu nunca mais revi, mas a quantidade de gargalhadas da espectadora.
Televisão, literatura, cinema, jornal, teatro. Allen, Verissimo e Jô fizeram de tudo e passaram dos 80 trabalhando. A maior afinidade entre eles, além da versatilidade e da capacidade de se comunicar com todos os tipos de público, talvez seja a longevidade do sucesso dos três.
O humor do Jô, pelo menos aquele dos quadros na TV nos anos 1970, envelheceu pior. Alguns personagens ainda são engraçados, mas o estilo ficou datado. Um dos seus movimentos mais inteligentes foi o de não se apegar a esse passado e reinventar sua carreira em livros e talk-shows.
Woody Allen foi progressivamente se afastando da comédia mais escrachada ao longo de cinco décadas de uma produção prolífica e irregular (embora eu seja do time que acredita que, como pizza, um Woody Allen não tão bom nunca é totalmente ruim). Produziu obras-primas e filmes medíocres. Dos três, é o que enfrenta um final de carreira mais melancólico, em meio a dificuldades para lançar seus filmes nos Estados Unidos e um processo inconsistente de abuso sexual que o transformou em uma espécie de pária, principalmente entre espectadores mais jovens. Aquele que pode ser seu último filme deve começar a ser rodado em Paris em setembro. Em francês – o que diz tudo.
Verissimo parou de escrever no ano passado, depois de um AVC. Dos três, foi o que mais demorou a fazer sucesso: estreou como cronista depois dos 30 anos, enquanto Woody Allen e Jô Soares começaram a ser notados antes dos 20. Até a última crônica publicada em jornal, seu estilo traçou uma trajetória ascendente em profundidade e sofisticação. Nunca se repetiu, nunca perdeu a relevância – ou a graça.
A propósito: que falta faz um Verissimo numa hora dessas, não é hein?