É possível construir continentes, isto é, espaços onde as contradições inerentes à existência possam ser sustentadas de forma produtiva? Acredito que sim.
Tenho refletido amplamente sobre a reaplicação de elementos da experiência, considerando abstrações que se conectam a realizações aproximativas no intuito de esclarecer zonas de penumbra associativa. Nesse processo, emerge um novo espaço, nomeado a partir de outro já existente, similar em forma e até mesmo em temperatura, mas distinto em sua topografia. Essa constatação levou-me a questionar a autenticidade de nossas vivências cotidianas e a indagar se temos plena consciência de sua complexidade.
Tendo em vista a advertência proposta por Descartes no Discurso do Método e posteriormente retomada por Nietzsche em Humano, Demasiado Humano (1878), decidi retomar minha trajetória não apenas com o intuito de compreender, mas também de tornar-me um espaço de acolhimento para elementos múltiplos e, até então, antagônicos. Ademais, busco dissociar-me do outro ou, ao menos, reconhecer sua existência como separada, embora não profundamente independente. Conceber essa ideia de independência permite a construção de uma investigação em que o elemento estrangeiro não se encontra oculto, mas, sim, integrado àqueles que observam e apreendem.
Essa reflexão levou-me a um percurso digressivo, no qual o ponto “a” era rapidamente substituído pelo ponto “b”, e a linha que os conectava expandia-se progressivamente a partir do contato alternado. Para evitar a dispersão desses elementos, fosse por descuido ou negação, tornou-se necessário aumentar a plasticidade dessa linha, curvando-a de modo que preservasse sua capacidade de conexão. Esse movimento gerou um “continente” conceitual para pensar a relação entre esses pontos, bem como a continuidade e a contradição que os constituem.
Um ponto “a” configurado em um ponto “b” sugere uma capacidade de transposição de vértice ou, talvez, uma reconfiguração conceitual ainda incompleta? Não tenho uma resposta definitiva. A intersecção entre “a” e “b” é marcada por um não-saber, uma mudança de tonalidade que permanece inacabada, pois elementos continuam em processo de aglutinação. Sua forma é, paradoxalmente, uma não-forma: algo que só pode ser ao mesmo tempo em que não é. Nesse contexto, um círculo que se fecha pode, paradoxalmente, desaparecer.
A intersecção não é apenas um ponto de convergência, mas um espaço relacional, um elo dinâmico que conecta e permite trocas. Pode-se concebê-la como um encontro, um território onde se entrecruzam sensações provenientes de polos distintos. A importância dos pontos “a” e “b” reside não apenas em sua sequência, mas também no espaço que os vincula. Nesse sentido, sua significância se amplifica pela possibilidade de separação reveladora, mais do que por qualquer valor singular e isolado.
Ao analisar essa conexão, podemos conceber um espaço-ponte que costura e possibilita interações entre os pontos. Esse texto não se encerra com uma resposta, pois essa nunca foi sua intenção. O objetivo é propor uma reflexão em aberto, um espaço em que as contradições possam coexistir e serem continuamente ressignificadas.
Pensar em continentes conceituais significa admitir a dinamicidade do pensamento e a impossibilidade de fixar verdades definitivas. Assim, ao ampliar nossa percepção sobre os pontos e as conexões que os atravessam, reconhecemos que o saber não se encerra em um sistema fechado, mas se refaz continuamente no diálogo entre elementos divergentes e complementares.
Esse texto não termina com uma resposta. Essa nunca foi a sua intenção.
Ralf Diego Silva de Souza é psicólogo e professor universitário. Atualmente, é mestrando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e possui especialização em Psicologia Hospitalar pela ESUDA. Dedica-se ao estudo aprofundado de temáticas concernentes à Psicanálise Kleiniana, Marxismo, Teoria Crítica e Escola de Frankfurt. ralfsouzapsi@gmail.com
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