Na semana passada, presenciei um dos momentos mais incríveis desde que conheci o POA Inquieta. Consegui assistir três rodas de conversa com gente de vários lugares e distintas posições que atuam em Porto Alegre. Uma delas contou com a presença do governador Eduardo Leite, do professor de Harvard Michael Sandel, de lideranças e representantes de comunidades periféricas.
Outra sobre segurança pública, onde se estabeleceu um diálogo sobre o sentimento de moradores da periferia em relação à segurança pública (confira o artigo da Karen Garcia aqui na Sler). Teve também uma roda de conversa que teve como pergunta mobilizadora: o que você faz pela sua comunidade? Mediada pela professora Adriane Ferrarini, serviu para que mais gente entenda e participe dos processos do 2º Congresso Popular de Educação para a Cidadania. E a última, que não acompanhei, sobre a condição das mulheres, educação e cultura e cidadania nas periferias, mediada pela Negra Jaque. Saiba o que rolou na primeira edição, clique aqui.
O encontro, realizado na Escola Municipal de Ensino Fundamental Morro da Cruz, esteve na programação do 4º encontro preparatório para o 2º Congresso Popular de Educação para Cidadania, que será realizado de 22 a 24 de setembro deste ano. Nem o frio, nem a chuva, impediram que aproximadamente 40 lideranças periféricas, além de várias autoridades, estivessem lá em cima do Morro participando das atividades.
A síntese do que rolou no evento foi noticiada nos grandes jornais, sem muitos detalhes. Há informações importantes que não foram divulgadas. Até porque não é nada comum um evento desses acontecer sem envolver uma baita mobilização. Primeiro, o evento foi organizado por voluntários do POA Inquieta e do Ponta Cidadania, dois coletivos que reúnem pessoas que procuram fazer a diferença para deixar a vida da cidade melhor. Segundo, que a função só foi viabilizada porque foi feita a articulação junto ao Consulado dos Estados Unidos, para que o Sandel pudesse estar presente, e, de lambuja, o governador fosse convidado. O aclamado filósofo veio para o Brasil a convite do Fronteiras do Pensamento. Então, foi uma forma de aproveitar as circunstâncias e fazer algo completamente inusitado.
O evento foi realizado na quarta, dia 9 de agosto, quando ficamos sabendo do estado crítico da Monica Riffel, articuladoras do POA Inquieta, que faleceu no dia 12, sábado. Saiba mais aqui. Para mim, o dia foi de sentimentos ambíguos, pois estava vivendo algo espetacular, com o coração apertado em decorrência da situação da Monica.
Escrevo isso, porque as pessoas que viabilizam essas realizações são voluntárias e feitas de carne e osso. Muitas vezes têm jeitos e modos de agir muito diferentes. Nos coletivos não se escolhe com quem trabalhar. Se coloca a mão na massa com quem se apresenta com vontade, disposição e ímpeto para fazer acontecer. Então, ter feito esse evento memorável é algo completamente fora da curva. Ainda mais em uma terra de desconfiados como é o Rio Grande do Sul.
É o Leite mesmo?
A visita inusitada de um governador no Morro da Cruz causou burburinhos. “O Collares já veio aqui, mas foi antes das eleições”. Ouvi do meio do público que lotou a parte central do pátio da escola, pois foi a primeira vez que um governador subiu o Morro. E também porque a iniciativa não partiu do governo.
Esse encontro deixou muita gente impressionada – o governador foi acompanhado por quatro secretários e secretárias de Estado. As moças da cozinha, o pessoal da redondeza parou para ver se era o Leite mesmo que estava ali. Na roda de conversa, ele foi tratado pelo nome, Eduardo, o cara que tem 38 anos e está no segundo mandato de governador. Sob o princípio da horizontalidade da roda de conversa, onde todos são iguais, ouviu muitos, muitos desabafos, reclamações. Desde a falta de comunicação entre os órgãos governamentais da prefeitura de Porto Alegre e do Estado, até o mal atendimento da CEEE Equatorial durante as quedas de energia elétrica.
O famoso filósofo, que recentemente participou do Roda Viva na TV Cultura, mais escutou do que falou. Sandel salientou a importância e a necessidade do diálogo entre ricos e pobres. Compreendeu o contexto da roda e afirmou que estava ali para aprender. Pois se conseguissem trabalhar juntos para promover mudanças, já seria uma grande coisa. Só que para isso, seria fundamental saber o que passa com as pessoas que moram na periferia.
O evento serviu, mais uma vez, para eu sentir o quanto na cidade onde nasceu o Orçamento Participativo há gente que trabalha pelo coletivo, especialmente onde a presença do Estado é algo distante. Estamos passando por uma fase difícil, onde a democracia tem sido atacada, carcomida por dentro das instituições. Então vivenciar um momento desses é um bálsamo na alma. No entanto, não dá para ser ingênua. Tenho também percebido o quanto circunstâncias tecidas a muitas mãos são exploradas por quem está de olho nas próximas eleições.
A mudança está andando a passos de tartaruga (para lembrar o Santiago Uribe), acredito. Pois ora para, ora avança. E o que resultou no pré-congresso mostra que está acontecendo uma mobilização para dar luz ao protagonismo da sociedade civil, especialmente na periferia. Uma movimentação do quanto a mistura possibilitada pelos integrantes dos coletivos POA Inquieta e Ponta Cidadania vem tocando corações e mentes. Gente que vem semeando possibilidades para transformar a cidade em um lugar mais aprazível de morar e que já se orgulhou de habitar em uma das capitais de melhor qualidade de vida do País.
Fotos: Acervo da autora