Fevereiro de 2024 em pleno carnaval entro no guia do Netflix à procura de uma série e me deparo com o lançamento do streaming: “Um dia”, em 2º lugar de audiência, e não pude deixar de pensar: pela deusa, a série que eu gostaria de ter escrito. Vem comigo que te explico.
Faz a passagem do tempo para 2010… meu aniversário em julho dentro da agência de publicidade que trabalhava naquele frenesi de sempre em termos de pauta, pressão, busca constante de validação estratégica. Era um momento em que eu já estava me perguntando se aguentaria aquele ritmo a vida toda. Eu era paga para pesquisar, buscar estratégias de posicionamento, referencias de ideias e naquele momento estávamos experimentando uma maior conexão entre planejamento e criação.
Naquele dia, o meu então diretor de criação me chamou em sua sala e ao me felicitar pelo meu aniversário me deu um livro. Um romance que era um fenômeno editorial no Reino Unido, sucesso absoluto de crítica e público e teve o roteiro adaptado para o cinema. “Um dia: Vinte anos, duas pessoas”, do escritor David Nicholls. Naquela época eu pedia minutos de conversas com Marcelo (Pires) para ele me dar dicas, orientações de como eu poderia um dia me inscrever na oficina de roteiristas da Globo. Marcelo, além de publicitário, era roteirista e estava com a repercussão fresquinha da adaptação do livro para Minissérie da Casa das 7 mulheres. Inclusive, ele me deu muitos livros tanto de escrita de roteiro quanto de boa literatura contemporânea que foram adaptados para filmes icônicos como Noites Sujas em Havana.
Mas vamos voltar a aquele dia… abri o livro e vi que a história era sobre Emma e Dexter, dois jovens que estudam na mesma universidade e na festa de formatura acabam ficando juntos. Um dia de 15 de julho de 1988. E a narrativa se desenrola trazendo o mesmo dia 15 de julho durante 20 anos. Só de olhar o livro percebi que seria daquelas histórias que iriam comigo para a vida, pois ela abordava em estilo totalmente denso, forte, real, dois universos: amor e a passagem da vida. Naquele momento me joguei no livro e me sentia incomodada com as escolhas deles, com os encontros e desencontros, com a roda da vida que gira entre sorte e revés.
Cheguei ao ponto de parar o livro umas três vezes e voltava, pois pensava: que f… isto… esta é a vida mesmo. E este autor britânico conseguiu captar de um jeito cruel, lindo e verdadeiro o que acontece com as nossas trajetórias. Ou seja, um livro sensacional de romance. Que mexeu comigo mais do que muita tese e teorização acadêmica. E me fez entender que minha alma é de escritora. Ao terminar o livro eu pensei: um filme não dá conta desta narrativa, um dia escrevo uma minissérie dele e mudo o final.
Passagem do tempo novamente, mas agora para o futuro: assim como Emma continuo indo e vindo na escrita em busca de um tema que eu consiga gerar a minha história autoral. E me sinto como ela (se você ver a série vai entender). Mas me sinto como a Emma da série, de Ambika Mod, não como Anne Hathaway, da primeira versão para o cinema. São duas Emmas diferentes. A de agora do Netflix traduz a personagem do livro com sua sensibilidade transgressora, livre e questionadora. Dexter… bem… Dexter é o Dexter. E, infelizmente, eu não tive um Dexter na minha vida. Mas o único spoiler que darei é que a cena da amidalite, quando ele, após se separar, vai atrás dela. É a cena mais forte que já vi. Pois ali contém o resumo de como podemos escolher viver a vida: engasgar e sufocar. Ou deixar vir e se entregar.
Alguns anos atrás esta minissérie me faria ficar remoendo que sou capaz de ter as ideias certas, mas estou no lugar errado. Como, por exemplo, ter visto o potencial desta história para série. Hoje eu já aprendi que esta é a confirmação de que devo acreditar nas ideias que penso e que um dia elas serão realizadas. Por mim ou por alguém. Isto muda tudo. Pois o ponto é: minha visão criativa vai além.
Se jogue na série… se permita pensar sobre seus Um dia. E ver se ainda dá tempo de viver Um dia marcante.
Foto da Capa: Divulgação