Dizem que somos nós quem escolhemos os livros que lemos, mas posso afirmar que, em muitas ocasiões, o contrário é igualmente verdadeiro: há livros que nos escolhem, caindo em nossas mãos de forma inesperada, como se fossem destinados a nós. Esses livros não chegam suavemente; eles entram em nossas vidas como um furacão, agitando o que está em calma e criando um rebuliço dentro de nós.
Quando um livro nos escolhe, ele vai além de uma simples leitura; ele se torna parte de nossa história, nos moldando de formas que nem sempre compreendemos imediatamente. Ele pode tocar em uma dor guardada, despertar uma paixão adormecida, ou até abrir portas para novos mundos que jamais imaginamos, nos levando a um movimento catártico, capaz de nos transformar.
No contexto psicológico, filosófico e artístico, a catarse é compreendida como um processo de liberação emocional ou mental, que ocorre quando sentimentos reprimidos ou conflitantes são vivenciados de forma intensa, resultando em um estado de alívio e clareza. Posso dizer que essa foi exatamente a experiência que tive ao mergulhar nos contos de Maria Avelina Fuhro Gastal: uma mistura de emoções que me levaram a uma torrente de sensações.
Publicado em 2018 pela Editora Metamorfose de Porto Alegre, o livro Nós traz, entre tantos textos marcantes, a história do médico Rubens, que ainda luta para se acostumar a conviver com a morte; a do filho que, seguindo o legado do pai, perpetua o ciclo de violência usando o mesmo cinto com que era castigado na infância; e a do homem que, ao organizar a convivência em um condomínio durante uma crise, acaba sendo processado por suas ações.
Com delicadeza, Maria Avelina Fuhro Gastal transforma problemas universais em narrativas que provocam, comovem e fazem pensar. Em seus contos, ela demonstra uma habilidade singular de abordar as contradições da humanidade, entrelaçando histórias de dor e superação com a maestria de uma escritora que entende a alma humana em toda a sua complexidade.
Os contos, ora ambientados em Porto Alegre, ora situados em cenários indefinidos, nos remetem a lugares comuns, não apenas pelo reconhecimento geográfico ou pela familiaridade dos detalhes descritos, mas pela universalidade das emoções que evocam. Esses lugares comuns, sejam eles reais ou imaginários, carregam memórias que parecem nossas, mesmo quando pertencem aos personagens.
São histórias que, mesmo nascidas da ficção, dialogam com as vivências de quem as lê, trazendo à tona memórias, sentimentos e questionamentos. Através das ruas e parques de Porto Alegre, ou de cenários indefinidos que poderiam pertencer a qualquer cidade ou a nenhuma, os contos convidam o leitor a revisitar suas próprias paisagens interiores.
Quando um livro nos escolhe, ele não apenas narra histórias, mas cria pontes entre o real e o imaginário, entre o autor e o leitor, entre o momento em que foi escrito e o instante em que é lido. Os contos de Maria Avelina Fuhro Gastal possuem essa capacidade. Eles nos tocam, nos desconstroem e, ao mesmo tempo, nos reconstroem, porque nos permitem enxergar o que é comum sob uma nova luz — a luz da empatia, da reflexão e da beleza do cotidiano.
Ao fechar as páginas do livro, não somos mais os mesmos. Os personagens, com suas dores e esperanças, permanecem conosco. Suas histórias se misturam às nossas, seus dilemas tornam-se ecos dos nossos próprios. Talvez seja esse o maior presente de um livro que nos escolhe: ele não apenas conta histórias, mas também nos ajuda a recontar a nossa, com mais clareza, profundidade e humanidade.
Assim, os contos de Maria Avelina são mais do que literatura; são experiências que nos lembram que, em cada esquina da vida, seja ela uma rua movimentada ou um parque silencioso, existe sempre algo a ser descoberto — e sentido.
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Foto da Capa: Freepik