Acho que nunca fui do clube das dorminhocas. Por outro lado, gosto de sonhar e, infelizmente, ainda não inventaram outra forma de fazer isso que não seja dormir. Então, melhor ter meu sono preservado nas tais 8 horas por dia. É uma receita particular de descanso, sono e sonho.
Entretanto, há outras políticas de sono por aí. Uma delas é a sesta. Hábito que sempre passou por mim de uma forma um tanto polêmica. Daí que recém, há coisa de uns 5 anos, sou uma admiradora dessa prática. Pois então, é isto: ao dizer admiradora, já denuncio que não sou uma praticante. Às vezes consigo, mas é só às vezes mesmo. Nem por isso ignoro que a tal dormidinha depois do almoço seja muito revigorante.
Até pouco tempo atrás, não conhecia muitos adeptos dessa prática. Não contam aqui amantes da soneca de domingo. Faço referência à sesta sistemática, organizada na agenda de segunda a sexta-feira. Seria esta sesta um luxo para poucos privilegiados? Coisa de quem tem poucos afazeres? Preguiça?
Sem nunca ter me colocado essas indagações, creio que pensava um pouco nessas hipóteses. Mudei meus critérios quando comecei a perceber que, se queria atender bem meus pacientes às 13h, ou às 14h, eu tinha duas saídas: almoçar muito, muito, mas muito leve ou dormir pelo menos uns 20 minutos. Existe ainda uma terceira via chamada mate ou café, mas dessa o meu corpo – na verdade, um setor dele chamado estômago – não gosta muito. No mais, mais jovencita, era como se dormir fosse sempre estar prestes a perder algo muito importante. Uma sensação exacerbada nas redes sociais, além daquela atmosfera de que algo muito interessante está por vir. É por isso que ir para a cama com o celular é cilada na certa. Só uma roladinha de tela e lá se vão os teus preciosos 20 minutinhos… Melhor seria rolar na cama mesmo.
Agora bem, se eu pelejo pelos eventuais 20 minutinhos, o que me dirão os desconhecedores das práticas da região onde vivo, província de Santa Fe? Práticas que, seguramente, se estendem a outras partes da Argentina – com exceção de la ciudad de la Furia. Com certa tendência workaholic, a princípio, a sesta da região chegava até mim quase como um acinte. Perdi a conta de quantas portas na cara levei da lavanderia, da fruteira, do mercado… Fechado das 13h às 17h. Sério? As outras cidades em que vivi nunca dormem muito.
Aqui na cidade de Santa Fe, na Argentina, todos os dias vou aprendendo como funciona. É quase lei. Outro dia, eu queria cortar o cabelo às 15h30 e a cabeleireira me disse que poderia reacomodar a sesta em meia hora. O tom era extremamente profissional. A cliente inconveniente aqui aprendeu mais uma.
Aprendo sobre uma prática de desaceleração e resistência às vozes vorazes do capitalismo, vozes que não pausam e não permitem pausas. Vozes que sempre dirão: “Trabalhe enquanto eles dormem”. A frase completa não vem, mas conhecemos a tradução: “Trabalhe enquanto eles dormem, me enriqueça e morra de estafa antes de se tornar muito caro para mim, pobre demais para consumir ou se tornar meu concorrente”.
Enfim, além da defesa da sesta, vou tentando defender alguns sonhos. É dormir e, ao mesmo tempo, não dormir no ponto.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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