Não, não se trata aqui daquelas piadas que reúnem pessoas de estados ou de países. A questão é sobre a ideia recorrente de que haveria um certo desequilíbrio entre o talento de diversos artistas gaúchos, das várias artes, e o seu reconhecimento nacional.
Venho pensando esse tema por um ângulo um pouco diferente do que sempre se fala tanto por aqui como fora. Quando estive no Rio de Janeiro há pouco, um poeta e editor paulista que mora no Rio me fez esse mesmo questionamento, falando de excelentes músicos do Rio Grande do Sul que não se estabeleceram no resto do país.
O que pensei recentemente é que essa constatação de que há um número menor de artistas de um estado que alcança o estrelato nacional versus um número bem maior que não alcança é uma realidade de vários lugares. Em São Paulo, no Rio, na Bahia, em Minas, enfim, há sempre os artistas que fazem um sucesso local e que não rompem a barreira da sua localidade. Assim como há os que rompem.
Por exemplo: qual a maior cantora do Brasil? Para concorrer a esse título, certamente o nome de Elis Regina (foto da capa) estará entre as listadas. Entre os maiores compositores brasileiros da canção popular, Lupicínio vai ocupar algum lugar de destaque. Entre os maiores vendedores de discos no país, Teixeirinha. Entre os nomes da MPB da virada dos 80 para os 90, Kleiton e Kledir. No rock brasileiro dos 80/90, DeFalla, Engenheiros, Nenhum de Nós, Garotos da Rua, TNT, Cascaveletes, Replicantes, Graforreia, Júpiter Maçã. Nos anos 2000, Cachorro Grande. Ainda, Adriana Calcanhoto na MPB se mantém há um bom tempo com uma carreira sólida, e Vitor Ramil, num espaço mais cult. Goste-se ou não desse ou daquele, o critério aqui é se, de alguma forma, o trabalho alcançou uma maior repercussão.
No teatro, cinema e tv, Paulo José, nascido em Lavras, José Lewgoy, em Veranópolis, Glória Menezes, em Pelotas, Ítala Nandi, em Caxias, Ilana Kaplan, em Porto Alegre… Escritores: Raul Bopp, Quintana, Scliar, Caio Fernando Abreu, Martha Medeiros, o carioca que vive e fez sua carreira a partir de Porto Alegre Jeferson Tenório, Angélica Freitas, Paulo Scott, enfim, em várias áreas dá pra ir listando.
E, em todas essas áreas, há diversos nomes com mais ou menos repercussão num meio mais amplo ou mais restrito. A qualidade artística nem sempre se traduz em reconhecimento por um grande público. E tem também trabalhos que conquistam um ótimo público local.
Os limitadores para chegar a um sucesso nacional a partir do Rio Grande do Sul, antes da internet, eram, de um lado, a grana de São Paulo que transforma em produtos nacionais o que sua indústria, incluindo aí a indústria cultural, produz. E de outro, a mídia de massa gerada a partir do Rio de Janeiro, com a Rede Globo. Nesse cenário, nacional é tudo o que é feito nas regiões de Rio e São Paulo. E o resto, o que é produzido nas outras regiões, é chamado de regional.
No contexto de internet, de redes, isso está mudando. Não há um eixo. Há uma descentralização. Assistimos a produções feitas a partir de vários lugares. Mas ainda é preciso mudar a cabeça das pessoas. Ainda esperam uma validação vinda de um eixo cultural, das mídias tradicionais, para consumir e valorizar uma produção. Outro fenômeno da internet é o de cada trabalho artístico poder criar sua audiência. Há artistas de que muitas pessoas nunca ouviram falar, mas que arrastam milhares de seguidores.
Tem também os entraves da própria história da capacidade de levar adiante um negócio. Tenho dito, em tom de brincadeira, mas com um certo fundo de verdade para meus amigos daqui que, para um negócio dar certo, é preciso um gaúcho para trabalhar, um paulista pra ganhar dinheiro e um carioca pra dizer que é bom. Com isso, quero dizer que, em vários segmentos, nós, gaúchos, trabalhamos bem. Mas não conseguimos, muitas vezes, fazer esse trabalho virar grana, nem sabemos colocar os holofotes sobre o que fazemos.