Um golpe estava alinhado e foi até minutado em decreto. Seria deflagrado no dia 12 de dezembro, data da diplomação do Presidente Luiz Inacio Lula da Silva e seu vice Geraldo Alckmin. O Estado de Defesa que seria declarado para conferir poderes excepcionais ao Presidente da República. Porém, algo não deu certo nos planos dos conspiradores. O próprio Bolsonaro queixou-se, em live já nos Estados Unidos, que não recebera apoio para concretizar seus planos. Que planos? Ele não se referiu a golpe ou ao decreto, mas era claramente sua intenção.
Na data da diplomação de Lula, surgiram os primeiros protestos e quebradeiras em Brasília. Naquele primeiro momento, a Polícia Militar reagiu e conteve os tumultos. Uma semana depois, talvez com o País e Governo ainda embevecidos com o sucesso da posse e da subida da rampa com pessoas representativas da sociedade brasileira – que foram chamados justo pela negativa de Bolsonaro de passar a faixa presidencial a seu sucessor -, os primeiros sinais de inquietação surgiram e foram dominados. Ninguém foi preso apesar do tumulto e de um ônibus ter sido incendiado e jogado em um lago artificial.
Apenas uma mera guarnição militar nos atos de uma semana depois enfrentou o tumulto apenas com jatos de gás-pimenta. Avisos e convocações em grupos de whats app foram feitos. Mas as autoridades subestimaram a capacidade destrutiva de uma multidão. Munidos de sprays de gás-pimenta, um pequeno grupo de soldados foi atropelado, literalmente, pelos manifestantes. Estava arrombada a entrada no Congresso Nacional. Sem comando aparente, mas movimentando-se em grupos, os golpistas invadiram o Palácio do Planalto, que encontraram de portas abertas. O próprio Lula denunciou que alguém abrira a entrada. Na verdade, as vidraças estraçalhadas (todas) do Planalto foram feitas de dentro para fora.
O passo seguinte foi o Supremo Tribunal Federal, órgão supremo do País e alvo preferencial do presidente derrotado em seus quatro anos de governo. A turba agiu com fúria, mas parecia organizada e comandada nos seus alvos: primeiro, o Congresso; depois, o Palácio do Planalto; por fim, o Supremo Tribunal Federal. Móveis, computadores, obras de arte, armas guardadas em local reservado foram localizadas e roubadas. Cenário de absoluta destruição. Foi preservado apenas o gabinete do Presidente da República, protegido por blindagem. Um Di Cavalcanti, que ornava a entrada do Planalto, foi atacado com fúria e furado com seis facadas. A tela talvez não seja recuperável.
Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, Anderson Torres já migrara, na virada de ano e de governos, para a Secretaria de Segurança do Distrito Federal, por insistente convite do governador Ibaneis Rocha (MDB). Logo após sua posse, trocou e tornou a tropa militar com comando mais dócil, o que impediu a reação de ofício aos tumultos. A tropa estava em número reduzido, apesar de os tumultos anunciados. Quatro dias depois, viaja para a Flórida, nos Estados Unidos, onde, coincidência ou não, está Bolsonaro. A Polícia não agiu e o comando tíbio de Anderson valeu a decretação de sua prisão. Quem o nomeou, o governador Ibaneis também teve sua interdição declarada pelos próximos noventa dias.
Em busca por provas, uma revista na casa do ex-ministro encontrou a minuta de um decreto. A Polícia Federal encontrou uma versão preliminar do que tem o objetivo de intervir no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e alterar o resultado das eleições de 2022, na qual o ex-presidente Jair Bolsonaro foi derrotado. O rascunho foi obtido pela polícia durante o cumprimento de um mandato de busca e apreensão e servirá de prova para acusar o ex-ministro e, quem sabe, o próprio Presidente da República.
A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que também comandou a prisão de Torres. O decreto seria o sinal para a instauração do Estado de Defesa. E com ele, estaria instaurado o estado de exceção, abrindo caminho para a anulação do pleito. A medida foi considerada inconstitucional por diversos juristas.
O ato tresloucado, em sua minuta, descreve o propósito de “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022”. Tal “Comissão de Regularidade Eleitoral”, repleta de militares, seria encarregada de apurar a legalidade do pleito. Para especialistas, há elementos ainda a serem reunidos para que se possa avaliar a gravidade jurídica do achado. Anderson Torres declarou que a minuta foi apresentada por terceira pessoa e declarou que o texto seria destruído, o que constitui uma linha de defesa óbvia para não ser acusado de participado da trama do golpe.
Ao tornar-se secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, já no dia 2 de janeiro, Anderson assume o comando da PM do Distrito Federal e consegue apalermá-la e agravar os efeitos do dia de terror. É incerto o futuro e o rumo das investigações. Quanto a Bolsonaro, o que o ex-presidente já fez à vista de todos, como espalhar mentiras sobre as urnas eletrônicas perante embaixadores, é escandaloso e suficiente para avançar nas consequências políticas. Ele sempre mimetizou como modelo político o também derrotado Donald Trump. Os atos em Brasília são considerados a versão verde-amarela do golpe trumpista no Capitólio, rejeitando o resultado de uma eleição perdida.
A Polícia Federal que vai investigar as circunstâncias de elaboração do texto. Em nota nas suas redes sociais, Torres disse que o vazamento foi “tirado de contexto”, e que foi feito apenas para “propagar narrativas falaciosas” contra ele. Até domingo (8), data em que golpistas apoiadores do ex-presidente Bolsonaro invadiram os Três Poderes, Torres exercia o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele foi acusado de contribuir com a negligência da polícia durante os ataques, e exonerado no mesmo dia pelo então governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha, (MDB), agora submetido à intervenção por noventa dias.
Desde que bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes acumulam-se nas redes sociais inúmeros vídeos que revelam o conluio das forças de segurança com os manifestantes golpistas. Há também autoincriminação de golpistas e cenas de confraternização com a segurança. As Forças Armadas também estão envolvidas no conflito. Ao longo do governo Jair Bolsonaro, diferentes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, da ativa e da reserva, deram demonstrações de desapreço pela democracia. O ministro da Defesa, José Múcio, preferia ter aliviado a tensão com as Forças Armadas, subordinadas à sua pasta, gradualmente. A eclosão dos protestos demonstrou seu erro e subiu a pressão para sua troca. Múcio teve até sua demissão cogitada, mas Lula o referendou publicamente, confirmando-o no cargo.
Primeira prisão de ex-ministro
Anderson chegou ao Brasil na manhã de sábado e foi imediatamente preso pela Polícia Federal. É o primeiro a ocupar o cargo de ministro da Justiça e o primeiro integrante do governo Bolsonaro a ser preso desde a redemocratização. Ele ficará em uma unidade prisional da PM, o que faz direito por ser policial federal. No sábado, passou pela audiência de custódia e foi mandado para a cela. A partir de segunda-feira, será marcada a data para seu depoimento.
Antes, na noite de sexta-feira, PGR (Procuradoria-Geral da República) resolveu abandonar sua tradicional letargia e pediu e o STF acatou e declarou que Bolsonaro será incluído no inquérito que apura a instigação e autoria intelectual dos ataques golpistas que resultaram na depredação da sede dos três Poderes, em Brasília. A inclusão de Bolsonaro no rol de investigados foi decidida pelo ministro Alexandre de Moraes. A solicitação fora feita por 80 integrantes do Ministério Público Federal ao procurador-geral da República, Augusto Aras.