Estamos num período de editais abrindo para o financiamento da cultura. Funarte, Lei Paulo Gustavo, Itaú Cultural, pra citar os mais conhecidos.
A economia criativa – e nessa denominação se incluem as produções das diversas artes, música, literatura, teatro, artes visuais, artes audiovisuais como teledramaturgia na tv, novelas, cinema, filmes por streaming, criação de games, publicidade, tudo isso e mais alguma coisa -, essa economia é uma das maiores do mundo.
É claro que, dentro desse amplo espectro, há muitos produtores, criadores com poucos recursos financeiros. O que não significa que não tenham grandes recursos criativos. Pelo contrário, são, em muitos casos, trabalhos com grande contribuição seja para a renovação da linguagem artística, seja para a movimentação de uma cena cultural, seja para a crítica às formas e às visões de mundo que precisam ser revistas.
Tivemos no Brasil um período, no governo Collor, em que o projeto foi passar a política cultural para o mercado. É o período da criação da lei Rouanet. Os artistas apresentam seus projetos para o governo e recebem um certificado para poderem captar recursos da iniciativa privada, que apoia em troca de descontar o que investiu da quantia de impostos a pagar. Esse modelo, o da renúncia fiscal, que ainda segue sendo usado, tem o risco de não alcançar trabalhos com menos visibilidade, pois as empresas tendem a apoiar artistas cuja imagem já seja consagrada, uma vez que esperam somar essa imagem à sua.
Nos governos do Partido dos Trabalhadores, e em outros governos de outros partidos, tivemos, e estamos tendo, o formato de editais. São verbas dos fundos para a cultura que se destinam a projetos apresentados. Nesse caso, a verba vai direto para os produtores culturais, não precisando ir captar nas empresas privadas como na Rouanet. São também, muitas vezes, valores menores.
A questão que se coloca nesse caso para quem é um artista é desenvolver a habilidade de preencher planilhas de custos, redigir o projeto, anexar documentos, fazer clipping de matérias, ter fotos e bom material de vídeo, montar um plano de divulgação e conseguir ainda ter alguma relevância social. Enfim, tudo o que uma equipe de vários profissionais bem pagos faria para o trabalho de um artista consagrado acaba tendo que ser feito por um único produtor cultural, que costuma entender mesmo é de escrever um bom poema, compor uma boa música, atuar, pintar… Ou, se tiver grana, e na maioria das vezes não tem, contratar alguém ou uma empresa que seja especialista em montar a inscrição em editais. Mas, ruim com isso? Pior sem isso.
Li que num dos encontros recentes da área da cultura com o pessoal do atual ministério, que, diga-se de passagem, está fazendo em pouco tempo já um grande trabalho, ainda mais depois do período recente de trevas no país, a recomendação era pensar maneiras de diminuir a burocracia. Maneiras de se aproximar também de quem não tem como preencher um edital num bom computador com uma boa internet.
De minha parte, remando pra vencer cada etapa de preenchimento de um desses editais, verifiquei a mudança dos tempos num item que antes se resumia a duas opções. Sexo: masculino ( ), feminino ( ). Agora, me enquadrei em homem cisgênero. De fato, está tudo em movimento. Assim como a própria visão sobre o financiamento da cultura.
Foto da Capa: Reprodução do Youtube