Muito se disse sobre a importância de Marco Weissheimer, recentemente falecido. Flávio Aguiar, que trabalhou com ele na Carta Maior, disse que a palavra que melhor o definia era sereno: “Nunca o vi levantar a voz. Não precisava. Raivoso? Nem pensar. Marco era um guerreiro da paz, num mundo em que tantos cultuam a guerra.” A morte de Marco Weissheimer afeta a esquerda não porque a priva de um combatente ativo no campo da imprensa, mas porque retira do horizonte o exemplo de cidadão dotado de uma grande – e vai aí outra palavra para defini-lo – coragem raramente visto nos pampas.
É preciso que se publiquem seus textos
Já se falou da história e importância de Weissheimer para um jornalismo de esquerda, mas ainda falta organizar o que os franceses chamam de Ouvrages, o conjunto de seus textos publicados, como um Catalogue Raissone é o conjunto das obras de um artista. Com apenas dois livros publicados,”Bolsa Família – Avanços, Limites e Possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil”, publicado pela Editora Fundação Perseu Abramo em 2006, e “Governar na Crise: Um olhar sobre o governo Tarso Genro”, lançado pela Libretos em 2017, Marco Weissheimer deixou dezenas de textos em seu blog, na página no Sul21 e no Jornal Extra Classe, à espera de edição póstuma. Só no Extra Classe, contei mais de cinquenta escritos, sem falar das centenas de publicações de Sul21. Fica a proposta para seus admiradores: por que, mais do que lamentarmos sua perda, não preservamos sua memória organizando seus textos?
Digo isso porque muito do que escrevi pelo mundo afora já virou parte de meus livros. E eu agradeço a ele o fato de ter-me aberto espaço no Sul21 para publicações numa época em que minhas relações com Zero Hora para mim pareciam estremecidas. Se você é escritor, você sabe que a relação com Zero Hora é problemática: é o jornal que detém a hegemonia na imprensa do Rio Grande do Sul e a relação que estabelecemos com ele é de amor e ódio. Amor porque, graças ao que você consegue publicar lá, você consegue sair de sua bolha, atingindo um amplo público; ódio porque cada vez mais você vê o processo de direitização que tomou conta do veículo, com a saída de inúmeros jornalistas de esquerda e as mudanças nas pautas e no que é ou não publicado. Constatei ao longo do tempo que meus artigos de esquerda, cada vez mais críticos, eram menos publicados e, quando me dei conta, já estava escrevendo pautas críticas ao neoliberalismo disfarçadas no espaço de saúde do caderno Vida. Pior: nem respostas automáticas da caixa de e-mail tinha. Weissheimer sabia disso e sempre me publicou. Nunca vi um artigo de Marco Weissheimer publicado em ZH, a única coisa que vi depois de uma exaustiva pesquisa foi somente o seu obituário, como se de uns tempos para cá ZH quisesse dizer que a esquerda só tem espaço ali depois de morta. Hoje publico minimamente ali. Mas às vezes tento. Sou um covarde.
Um jornalista sem medo
Weissheimer não. Sempre teve a coragem de recusar publicar em espaços que considerava parte de seu campo inimigo. Sempre teve coragem de dizer a verdade sobre o que quer que fosse. Coragem vem do latim coraticum, a capacidade ou virtude de agir apesar do medo, do temor e da intimidação. Marco Weissheimer criticou os donos do poder econômico, criticou autoridades, criticou o capital, seja por artigos próprios, seja abrindo espaço para terceiros. No tempo da judicialização de tudo e dos processos contra escritores distribuídos no atacado pela direita, todos esses atores que Weissheimer criticava provocam em quem escreve o medo do processo, das reações dos poderosos, mas ele nunca revelou se tinha ou não medo de quem criticava, mas se tinha, agia sempre através de sua escrita, apesar dele. Eu, muitas vezes, temo criticar diretamente autoridades, tento fazê-lo com grande embasamento e, preferencialmente, sem citar nomes, o que seria visto nesta definição como covardia. Ao criticar o poder, sinto que piso em ovos. Parafraseando o famoso ditado, yo no creo en las críticas, pero tenemos que hacerlo, lo tenemos.
É que você critica e parece que o mundo não muda. Marco Weissheimer não ia além porque acreditava no poder da crítica. Seus textos eram escritos com confiança porque sabia que tinha a verdade como companhia. Era mais do que um jornalista, era um filósofo. Isso fazia toda a diferença. Seu impulso de combater a desigualdade o levava adiante. Era de esquerda até o último fio de cabelo. Mesmo com sua doença, vivendo uma situação difícil, ainda tinha energia para depositar confiança em seus escritos numa situação em que a doença coloca medo. A escrita era para ele uma força poderosa que o ajudava a enfrentar os problemas da vida. Não, eu não o conheci pessoalmente, exceto pela troca de e-mails. Mas lia seus textos com atenção. Por isso, quando relatou sua experiência com yoga (disponível aqui), eu sabia que ele estava vivendo um momento difícil com sua doença, mas, ao mesmo tempo, não deixava de ser o filósofo que habitava o seu coração marxista. Ali, ele mostrou-se aberto para a filosofia oriental, algo que raramente ocorre com pensadores criados no interior da esquerda e, somente mais uma vez, mostrou ser daqueles que têm a coragem de ir para territórios da filosofia que até a filosofia ocidental desconhece.
Um crítico da mídia hegemônica
Quando olho somente seu blog RS Urgente e vejo mais de 20 categorias de análise, saiba que se trata de uma produção inestimável. Escolhi uma para falar de sua coragem, mostrar o que se pode ver com uma das categorias listadas: é a categoria Zero Hora. É, mais uma vez, minha forma de mostrar que precisamos organizar urgentemente sua obra. Até a Folha de São Paulo, que também se transformou em um jornal de direita, tem ombudsman, a figura responsável pela autocrítica do jornal. Mas ZH, é claro, entende que a coluna erramos, que eventualmente cumpre esse papel, responde por esse lugar. Não responde. Quem fazia isso brilhantemente era Marco Weissheimer, sem receber um centavo por isso. Encontrei publicado em 1/4/2012 a primeira crítica da edição daquele domingo de ZH sobre o artigo publicado de Sérgio Sparta, intitulado “A ditadura brasileira”, em que o autor defendia no jornal o golpe militar de 64. A clareza de Weissheimer é chocante:
“Zero Hora apresenta-se como supostamente ‘neutra’ neste debate, simplesmente publicando uma posição a favor e outra contrária ao golpe. No dia do aniversário do golpe, o editorial do jornal silencia sobre o tema. O veículo do Grupo RBS que supostamente defende a democracia como um valor ainda acredita que o golpe de 64 e a ditadura que se seguiu a ele é “tema de debate”, que pode ser tratado na base de um texto a favor e outro contra. Para ZH, aparentemente, a condenação das torturas e assassinatos cometidos pelos agentes da ditadura ainda é ‘tema de debate’. ZH poderia ter aproveitado a data para explicar por que apoiou o golpe de 1964 e a ditadura, assim como fizeram vários outros grandes veículos da imprensa brasileira que nunca deram satisfações à sociedade sobre sua postura golpista e sobre os benefícios empresariais que obtiveram com ela. Como é sabido, o jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pela ditadura por apoiar o governo constitucional de João Goulart. A certidão de batismo do jornal, portanto, é marcada pelo desprezo à democracia e pela aliança com o autoritarismo, o que fala muito sobre o ethos editorial que a publicação viria a desenvolver.”
A generosidade de Weissheimer
Outra palavra que define Marco Weissheimer é generosidade. Ele frequentemente abria espaço para políticos de esquerda que eram colocados em saia justa pelo veículo. Foi o caso de Tarso Genro, seu entrevistado, após ele ser colocado em uma por David Coimbra. O articulista teria perguntado em sua coluna se ele não tinha vergonha da situação do Presídio Central, argumentando que as pessoas se preocupam mais com os animais e ciclistas. E Weissheimer, indignado, fez a mesma pergunta ao governador em 1/4/2012: “Na edição de Zero Hora desta sexta-feira, o colunista David Coimbra pergunta se o senhor “não tem vergonha” da situação. Qual a sua resposta a essa indagação?” Do que o governador respondeu: “Convido o jornalista que escreveu o isento artigo a ter vergonha comigo. Mais vergonha, talvez, porque, afinal, os dois governos que nos precederam foram eleitos com o apoio ostensivo das editorias da rede de comunicação onde ele trabalha. Os últimos oito anos de total descaso com o Presídio Central é que resultaram nesta situação dramática que, paulatinamente, vamos corrigir. Ou alguém pensa que o drama do presídio é resultado dos últimos 15 meses? Portanto, em oito anos de governos que foram eleitos com o ostensivo apoio dos “formadores de opinião” do jornal ao qual o referido jornalista presta o seu serviço, pouco ou nada foi feito em relação ao Presídio Central.” No alvo.
Logo em seguida, abriu novamente espaço (22.4.2012) para Tarso Genro responder a uma crítica de Rosane de Oliveira sobre a adoção do piso nacional do magistério pelo governo, permitindo que ele caracterizasse o jornalismo hegemônico no sul do país. Diz ele: “É um certo tipo de colunismo político que ainda não se esgotou no país, mas que tende rapidamente a esgotar-se pela falta de credibilidade, pois ele vem perdendo a sua capacidade de transmitir informações e críticas fundadas. Ele perdeu a “fala” universal, que caracterizou os grandes colunistas políticos do país, com capacidade de informar e criticar com seriedade, e passou a defender posições ideológicas dissimuladas, “adaptando” ou inventando os fatos, para contentar um público determinado – aquele que este tipo de jornalismo cativa, com seus malabarismos factuais e lugares-comuns: os que adoraram as ideias do neoliberalismo que está levando a Europa à ruína e que, aqui, foram retratadas no famoso “déficit” zero. Aliás, não é de graça que a colunista de política da Zero Hora é a mais saudosa do “déficit zero”, que não só paralisou o estado, mas aplicou um brutal arrocho salarial nos servidores, situação que agora estamos começando a reverter”.
Não falarei das diversas réplicas e artigos meus não publicados por ZH pelos mais diversos motivos, “entendemos que o debate está encerrado, etc.”, para não parecer ressentimento com o veículo, mas quero salientar que sempre Marco Weissheimer os publicava nas páginas do Sul21. De fato, jornal é para ser um espaço de debates, mas nem sempre ZH coloca todos os argumentos em discussão, aceita réplicas que fazem. Quando falo da generosidade de Weissheimer, é disso: ele era capaz de abrir espaço para réplicas e críticas que não tinham lugar no veículo hegemônico e nem sequer tinham iniciado nas páginas de Sul21. É o caso da publicação em seu blog do artigo de Guilherme Gomes “A informação falsa para a análise política vazia” (22/10/2012), em que critica o argumento publicado na segunda-feira anterior, no texto “Reposicionamento ao centro”, publicado na Página 10 do jornal Zero Hora. Foram seis (seis!) argumentos rebatidos pelo autor que vão da natureza de esquerda do governo à sua descentralização e não centralização; dos episódios de violência da Brigada em investigação à época às críticas relativas à educação e à contratação de consultorias que mereciam ter sido publicados por ZH e não foram. Ali foram.
Critico dos poderosos
Marco Weissheimer não tinha medo de criticar os poderosos. É o caso da crítica que fez a Jorge Gerdau. O jornalista criticou a sua entrevista publicada por ZH em 4.5.2014. Diz: “Para Gerdau, o Estado só não está falido e sem dinheiro quando se trata de conseguir benefícios fiscais para suas empresas. Ele tampouco exerce o que recomenda e não compara os desempenhos das economias do RS e de São Paulo em 2013. E minimiza o fato de a economia gaúcha ter crescido acima da média nacional: “Estamos festejando que tivemos um crescimento econômico fantástico, mas que, somado ao do ano anterior, nos deixa na média histórica”, diz. A preocupação e a angústia de Gerdau com a situação financeira do Estado não impedem, porém, que ele siga recorrendo ao instrumento da isenção fiscal para tocar seus negócios. Em seus discursos autoelogiosos sobre práticas eficientes de gestão, o empresário gaúcho não costuma citar a ajuda que recebe dos governos ineficientes, politiqueiros e incompetentes, para empregar algumas das palavras que ele costuma usar.Como ele disse no Fórum da Liberdade, “o empresário tem que cuidar em primeiro lugar da família, em segundo lugar, da empresa e, em terceiro lugar, dos políticos”. O Estado e a política, segundo essa lógica, existem para servir aos interesses da família e das suas respectivas empresas. Esse seria o segredo da felicidade.” Isso é filosofia aplicada a serviço do bom jornalismo.
Apesar de abrir espaços para contribuições e réplicas não publicadas pelo veículo, o alvo principal de Weissheimer eram os editoriais do grupo RBS. Ele publica um artigo no dia 2/1/2015, o mesmo dia da publicação por ZH de um editorial em defesa das medidas de austeridade de José Ivo Sartori, para lembrar que esse mote foi o mesmo do veículo para com o governo de Yeda Crusius. Diz: “Nenhuma novidade, exatamente. No início do governo Yeda Crusius, o grupo RBS defendeu a política do déficit zero na mesma linha do “ajuste rigoroso nas finanças”. Antes disso, o grupo midiático apoiou editorialmente o governo “pacificador” de Germano Rigotto e o privatizador de Antonio Britto. O que também se repete é a postura da RBS de não assumir responsabilidade pelas posições que assume em inícios de governo, fazendo de conta de que vive em um eterno presente iluminado portador da solução definitiva para o problema das finanças do Estado. Tampouco há alguma referência ao fato de que esse modelo de austeridade, baseado no corte de gastos públicos, jogou a economia da Europa na estagnação e no desemprego.” Ele relembra outras iniciativas de corte e acerto da dívida pública, como a do governo Antônio Brito, para logo emendar: “Como se sabe, ao contrário do que ZH apregoou, o acordo da dívida feito por Britto não só não resolveu como acabou agravando a situação financeira do Estado. Hoje, depois de pagar mais de R$ 15 bilhões, o Estado ainda deve cerca de R$ 47 bilhões”. Artigo similar foi publicado em “Os curiosos editoriais da RBS e suas receitas ‘infalíveis’ para o RS”, publicado em 21/11/2017. Ele sabia que a memória era essencial à crítica.
Critico do neoliberalismo
Uma das formas que Marco Weissheimer encontrou de criticar a ação de governos neoliberais foi apontar seu investimento em propaganda junto aos veículos de comunicação. É o que faz quando diz que “no início do governo Sartori, mais uma vez, Zero Hora faz de conta que não disse o que disse e que não defendeu o que defendeu em governos anteriores como soluções definitivas para os problemas financeiros do Rio Grande do Sul”. Para provar seu alinhamento ao governo, diz em 23/11/2016, no artigo “Governo Sartori gastou R$ 3,5 milhões em campanha publicitária sobre a ‘calamidade financeira’”, aponta o questionamento do Procurador Geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Costa da Camino, sobre o gasto de cerca de R$ 3,5 milhões feito pelo governo José Ivo Sartori para a veiculação de uma campanha de publicidade, destinada… a informar a população sobre a amplitude da crise financeira(!) , analisando “ a legalidade e a legitimidade de tal campanha no contexto da crise financeira que afeta as contas estaduais”. Num momento em que os salários dos servidores eram parcelados, gastar em publicidade era inconcebível. Menos para o governo neoliberal de Sartori.
Weissheimer descreve a situação: “Segundo o portal Transparência RS, a Secretaria Estadual de Comunicação gastou este ano, até o mês de novembro, R$ 6.237.444,26 em publicidade institucional. No mesmo período, a Assembleia Legislativa gastou R$ 5.723.906,18 em publicidade institucional. Enquanto isso, políticas como a qualificação de assentamentos receberam apenas R$ 372.801,60, em 2016. Já a qualificação dos sinais de cobertura da TVE e FM Cultura recebeu R$ 156.760,92 e a qualificação dos recursos humanos na administração recebeu apenas R$ 10.350,52. Ainda segundo o portal Transparência, somadas, essas últimas três áreas – qualificação de assentamentos, dos sinais de cobertura da TVE e FM Cultura e de recursos humanos – receberam menos recursos do que o jornal Zero Hora, por exemplo, recebeu em publicidade até novembro deste ano. Enquanto os gastos de publicidade com ZH chegam a R$ 583.185,21, as três áreas citadas, somadas, chegam a R$ 539.911,00. Ainda no mesmo período, o jornal Correio do Povo recebeu R$ 222.655,28.” Governar é fazer escolhas, e as de investimento do governo Sartori eram equivocadas porque não eram estratégias de investimento: eram estratégias de conquista da opinião pública que se fazem através da conquista dos meios de comunicação.
Crítica aos Editoriais de ZH
Weissheimer sabia que o lugar em que os jornais revelam seu alinhamento político são os editoriais, reveladores de apoios e críticas. No artigo publicado no livro Enciclopédia do Golpe vol. 2: O Papel da Mídia, uma publicação conjunta do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora, Instituto Joaquín Herrera Flores e Projeto Editorial Práxis, Marco Weissheimer dissecou a relação do conglomerado com a política neoliberal. Ele lembra que o grupo fundado em 31 de agosto de 1957 por Maurício Sirotsky Sobrinho teve sua expansão e consolidação na década de 70, durante a ditadura militar. “A partir de boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões, diversificando seus negócios e se tornando o maior grupo de comunicação do sul do Brasil.”
Um dos pontos importantes do texto é apontar que os compromissos e interesses do apoio da mídia em geral e da RBS em particular ao golpe de 64 se manifestaram também no golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Quanto ao golpe de 64, diz: “Uma das formas de buscar preencher as lacunas e silêncios dessa história é pesquisar os editoriais dos veículos destes grupos midiáticos que expressaram a posição dos mesmos em momentos graves da história do país. A aversão da grande mídia brasileira à democracia, ao contrário do que o vídeo institucional da RBS afirma, fica exposta nestes editoriais. A certidão de batismo do jornal Zero Hora é marcada pelo apoio ao golpe de 1964 e à ditadura civil que se seguiu ao mesmo. Três dias depois da publicação do Ato Institucional n° 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, ZH afirmava que “o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”. No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado “A preservação dos ideais”, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da Revolução(…). Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”, diz a última frase do texto”, finaliza Weissheimer.
Outro editorial de ZH resgatado por Weissheimer é intitulado “A ação dos comunistas”, onde o grupo afirma que “a inflação galopante era deliberadamente feita pelo governo deposto (de João Goulart) para levar você ao desespero e à adesão às violências do comunismo”. E completa: “Os comunistas que dominavam o governo”, para depois acrescentar que, segundo o grupo, “criavam situações de medo e insegurança no país, a fim de levar o Brasil à miséria e ao caos e, assim, imporem a sua ditadura contra o nosso Deus e a nossa liberdade. Colabore você também na consolidação e salvaguarda da Democracia, anulando a ação nefasta dos comunistas”. Marco Weissheimer aponta ainda que o grupo participou ativamente do processo de privatização da telefonia do Brasil, e que “em 16 de dezembro de 1996, ganhou a licitação para a privatização de 35% da Companhia Rio-grandense de Telecomunicações (CRT), comandada pelo então governador Antônio Britto (ex-funcionário da RBS), através do consórcio Telefônica do Brasil”. Isso sugere algo para você?
Por outro lado, o golpe contra Dilma Rousseff também recebeu editoriais alinhados com o processo de interrupção da democracia, diz Weissheimer. Ele diz que, na opinião do jornal do Grupo RBS, esse processo “está sendo conduzido de acordo com os preceitos constitucionais”. O editorial condena aqueles que “tentam confundir a opinião pública, aqueles que dizem que a democracia está ameaçada pelo processo de impeachment”. Logo após a confirmação do impeachment, lembra novo editorial que diz que “o Senado cumpriu seu papel dentro de uma visão jurídica, legal e democrática” e defendeu, na linha das políticas neoliberais, “a implementação de “reformas emergenciais para colocar o Brasil nos trilhos”. Marco Weissheimer lembra que a imprensa nacional foi recompensada: “ O governo de Michel Temer gastou praticamente toda a verba de publicidade prevista para 2017 – mais de R$ 200 milhões – somente no primeiro semestre. Só a campanha publicitária em defesa da reforma da Previdência consumiu aproximadamente metade desse valor. Além da concessão de cargos e emendas parlamentares, a propaganda também virou moeda de troca em busca de votos no Congresso para a aprovação dessa reforma”.
O bom negócio de defender as políticas neoliberais
Weissheimer mostrou que o gasto federal com publicidade cresceu na gestão de Michel Temer, não foi apenas com a imprensa nacional, a do centro do país, mas também a da região sul, feita ao mesmo tempo em que “o governo Temer aplicou cortes brutais de investimentos em Saúde, Educação, Infraestrutura, Políticas Sociais”. Ele diz que “o jornal Zero Hora também teve um aumento expressivo de investimento, cerca de 221,8%, saltando de R$ 104.764,00 em 2015 para R$ 337.118,00 em 2016.” Ele aponta os dados do governo, que dizem que entre 1º de junho de 2016 e 31 de dezembro de 2017, o governo Temer destinou R$ 8.006.729,47 em verbas de publicidade para os veículos do Grupo RBS . A distribuição desses recursos, segundo a Secom, foi a seguinte:
Veículo | Valor investido |
Diário Gaúcho | R$ 309.470,59 |
Zero Hora | R$ 2.370.552,28 |
Rádio Gaúcha Porto Alegre | R$ 2.722.361,55 |
Rádio Gaúcha Santa Maria | R$ 16.331,19 |
Rádio Gaúcha Serra Caxias do Sul | R$ 28.269,91 |
Rádio Gaúcha Zona Sul Rio Grande | R$ 5.838,93 |
TV RBS | R$ 1.520.730,15 |
CLICRBS RS | R$ 187.950,17 |
Diário Gaúcho (site) | R$ 55.038,45 |
Esse investimento resultou no comportamento editorial da RBS, “coincidência ou não alinhado com as agendas das reformas trabalhistas e da previdência, apontadas como medidas necessárias para a ‘modernização’ do país.” Ele verificou que esse alinhamento se dá, entre outros temas, quando, em um editorial de 18 de dezembro de 2017, intitulado “O Judiciário ameaçado”, ZH “comparou uma ação de criminosos no município de Marau, localizado no norte do Estado, com as mobilizações dos movimentos sociais em defesa de Lula. O editorial coloca no mesmo pacote “líderes do crime organizado e da área política” como ameaças à “livre atuação do Judiciário””.
O silêncio como arma
Weissheimer constatou também que o silêncio do jornal era uma forma de ocultar os movimentos de esquerda. Em “A RBS e o golpe: R$ 8 milhões em publicidade em um ano e meio de Temer”, publicado em 9/3/2018, ele disse: “Entre os dias 22 e 24 de janeiro, algumas dezenas de milhares de pessoas se reuniram em Porto Alegre para manifestar apoio a Lula. Nenhuma das previsões alarmistas dos editoriais de Zero Hora se realizou. Na manhã do dia 22, quando cerca de dois mil integrantes do MST e da Via Campesina chegaram à capital gaúcha para acompanhar o julgamento, a manchete do site de ZH destacava os problemas no trânsito causados pelas manifestações. Um acordo firmado entre os movimentos sociais, Ministério Público Federal e Secretaria Estadual de Segurança garantiu a instalação do acampamento no Anfiteatro Pôr do Sol e outras manifestações. As previsões alarmistas da RBS não se confirmaram.” Não eram as manifestações o que era a pauta importante, mas os problemas de trânsito.
Finalmente, o mesmo silêncio, diz Marco Weissheimer, se repetiu em torno das denúncias da Operação Zelotes que envolviam o grupo. “O Grupo RBS, a Gerdau, os bancos Bradesco, Santander, Safra, Pontual e Bank Boston, as montadoras Ford e Mitsubishi e um grupo de outras grandes empresas estão sendo investigadas pela suspeita de pagamento de propina a integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais para anular multas tributárias milionárias. Segundo as investigações, pelo menos 74 processos tributários podem ter sido fraudados, provocando um prejuízo de aproximadamente R$ 21,6 bilhões aos cofres públicos. Os casos investigados teriam ocorrido entre os anos de 2005 e 2015.” Procurei na internet “manifestação da RBS sobre o caso Zelotes” e não encontrei nada. Isto é o silêncio. Weissheimer disse com todas as letras: RBS é um grupo sob investigação. É preciso muita coragem para fazer isso. Como diz Platão, “ Coragem é ser coerente com seus princípios a despeito do prazer e da dor.” É por tudo isso que Weissheimer fará muita falta.
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Foto da Capa: Reprodução do Instagram