Surpresa, alegria, curiosidade. Assim reagi quando o médico André Islabão me falou que estava escrevendo um livro. Por conhecê-lo e saber do seu jeito peculiar de conduzir as consultas e conversar com as pessoas, logo pensei que não seria apenas mais um livro sobre a medicina. Medicina que hoje, lamentavelmente, está bastante contaminada por interesses econômicos que sustentam um vasto mercado com a medicalização excessiva do nosso cotidiano. Na primeira leitura, confirmei minha percepção. Nas releituras, me apaixonei pelas ideias e pela escrita literária do autor. Não é técnico. Não é científico. Não é pretensioso. É um livro simples e humano, sobre escolhas, vida, morte. E quando André me convidou para assinar a orelha do livro, que para mim já era precioso, a emoção foi grande demais. Fiquei muito orgulhosa pela confiança.
Entre a estatística e a medicina da alma – Ensaios não controlados do Dr. Pirro (Pubblicato Editora, 2019, 236 páginas) traz para o centro da cena uma relação que precisa ser restabelecida, a do médico com o paciente, hoje substituída por pílulas salvadoras, em nome de urgências para além da saúde. Já não podemos mais ficar tristes, adoecer, muito menos envelhecer. Já não se vê a pessoa – corpo, alma e fragilidades – em busca de acolhimento, de orientação, de uma palavra, de um olhar. A felicidade e a juventude “eterna” se impõem. São necessários e muito atuais os questionamentos feitos pelo médico.
André Islabão é crítico, filosófico e corajoso ao propor uma reflexão profunda sobre a saúde pública e o futuro da medicina.
As reflexões que o livro provoca falam de nós que, muitas vezes, só precisamos é de um ombro amigo, de uma boa conversa, de alguém que nos ouça, nos acalme, de um aperto de mão, de um abraço. Precisamos evitar o mergulhado em comprimidos que nos afastam de nós mesmos. André reconhece os avanços da medicina, mas faz um alerta para o perigoso endeusamento da tecnologia e do excesso de medicação que podem nos jogar em uma existência a qualquer custo e negar a inexorável condição humana – a finitude.
Acompanhei desde o início o processo da publicação com a parceria do jornalista José Walter de Castro Alves e da produtora Kixi Dalzotto, amigos e companheiros de vida e trabalho, e dos editores Vítor Mesquita e Andrea Peccine da Costa, da Pubblicato Editora, hoje grandes amigos também. Aprendemos muito juntos, sem dúvida! Nestes tempos tão conturbados que estamos vivendo, em que conselhos médicos e receitas para qualquer sintoma fazem sucesso nas redes sociais, recomendo uma leitura sem pressa dos ensaios nada comportados, mas essenciais para o nosso cotidiano, do “Dr. Pirro”. Mais do que tudo, inspiram e contribuem para uma vida conectada com a nossa realidade.
Natural de Pelotas/RS, André Islabão formou-se em Medicina pela Universidade Federal de Pelotas/UFPel e vive em Porto Alegre/RS, onde trabalha, desde 1992. É “médico, mas também pai, músico, tradutor, compositor, artista e escritor” – como se define. Decidido a tentar reduzir o abismo crescente entre a medicina moderna e uma visão mais holística do ser humano, acredita que a saúde da alma é tão importante quanto a saúde do corpo. Foi pensando assim que começou a escrever e compartilhar suas ideias com o público. Até já juntou o piano às suas ferramentas terapêuticas para levar um pouco de alegria em forma de música para algumas casas geriátricas.
André lançou um outro livro muito instigante em 2022 – “O risco de cair é voar: mors certa, hora incerta” (Pelotas: Ballejo Cultura & Comunicação), mas este fica para um próximo comentário aqui na Sler.