Tem uma série de livros que já reli várias vezes. Alguns deles: Macunaíma, do Mário de Andrade, A morte de Ivan Ilitch, do Tolstói, O Estrangeiro, do Camus, Poética, do Aristóteles, O ovo apunhalado, do Caio Fernando Abreu. Sem falar nos livros de poesia: várias vezes vários do Drummond, do Bandeira, do Quintana, da Cecília Meireles…
A gente usa a palavra reler porque, afinal, o livro já foi lido e estamos outra vez com ele nas mãos e diante dos olhos. Mas a cada leitura um livro novo se revela. Em primeiro lugar, porque esquecemos de muitas passagens de um livro de prosa e de muitos poemas de um volume de poesia. Em segundo lugar, porque às vezes descobrimos, mesmo no que lembramos, algo novo, ou fazemos uma associação, uma interpretação que não tínhamos feito. Em terceiro, porque somos outro com o passar do tempo e vemos as coisas de uma maneira que não víamos.
E tem ainda o momento em que lemos. Talvez tenhamos lido de maneira apressada ou não era a hora certa para termos a disposição para sermos lidos pelo livro. Digo isso tudo porque peguei da estante, depois de um dia estressante de trabalho, o pequeno volume de haicais amorhumorrumor, haikai & senryu, parceria da Alice Ruiz com o Rodolfo Witzig Guttilla, edição da Companhia das Letras.
Já havia lido antes. Ganhei de presente do Rodolfo. Tem o autógrafo dele e a data: 5 de março de 2022. Recebi quando nos encontramos em Porto Alegre. Quando reencontrar a Alice, tenho que pegar o autógrafo dela.
Lembro de ter lido, na primeira vez, com gosto os poemas de três versos que vão fazendo um diálogo página a página. Está na história do haicai a prática coletiva. Esse pequeno poema de origem japonesa tem uma longa trajetória. Um desses momentos é o renga. São estrofes de três versos seguidas por outras de dois. Um poeta faz o terceto e o outro o dístico. E assim vão, podendo entrar mais poetas na jogada, compondo a renga que pode ter diversos tamanhos.
Esse espírito, mas aqui só com poemas de três versos para cada poeta, está no livro da Alice e do Rodolfo. Um exemplo: “cai o pano/ganhei ou perdi/mais um ano?” (Rodolfo). “fui embora/mas na estrada só via/placas de retorno” (Alice).
Dessa vez, os haicais e senryus, nome dado a uma variante mais livre e humorística do haicai, me fizeram um bem danado. Estava precisando me encontrar, ou reencontrar (de novo esse re que mais quer dizer uma nova vez do que uma outra vez) com amigos poetas que amam a sutileza, a delicadeza e o silêncio do haicai. Cheguei a ouvir a voz e a risada da Alice entre as páginas ante o riso contido do Rodolfo.
Pra terminar, dois da série etiqueta etílica, que inverti a ordem, no espírito gerado pelo álcool: “nunca peça/o terceiro dry martini/antes do segundo” (Rodolfo). “na festa/bêbado é dose/abstêmio é um porre” (Alice).
Foto da Capa: Alice Ruiz – Reprodução do Youtube