A literatura que me cerca, inquieta, acolhe e amplia horizontes, fala de realidades diversas às vezes muito próximas que desconhecemos. A leitura mais recente que fiz tem um título instigante – “Corra e não olhe para trás: Como se defender de uma pessoa com transtorno da personalidade narcisista” (Ballejo Cultura & Comunicação, 2024, 12x18cm, 96 páginas / Capa, projeto gráfico e editoração de Paola Manica).
O livro é pequeno, cabe bem em uma bolsa, foi escrito pela psiquiatra Betina Boeira e pela psicóloga Luciana Tisser e tem supervisão editorial de Heloísa Stefan que afirma – “É um livro de bolsa!”. Exatamente isso – bolsa – porque é voltado para mulheres que vivem mergulhadas em relacionamentos complicados com indivíduos narcisistas, muitas vezes sem se dar conta. As autoras partiram de experiências clínicas, de vivências, do conhecimento profissional e de pesquisas. O objetivo é mostrar e estimular as leitoras a identificar um narcisista a partir de táticas de manipulação, atitudes e comportamento. A publicação aponta as fases características do relacionamento com um narcisista, “desde a idealização, passando pela desvalorização, até o descarte”, e sugere vários caminhos para o afastamento, a recuperação da dignidade e da autoestima.
Se o contato com o indivíduo ainda for necessário, especialmente quando filhos estão envolvidos, a recomendação é buscar um convívio saudável, se for possível, é claro. “Conversar sempre é uma forma de lidar com a situação e, se não há uma via de mão dupla e um consentimento para melhor evolução, é um sinal de alerta de que algo está errado” (página 37).
Alerta e acolhimento
Além de fazer um alerta, o livro acolhe as vítimas de relacionamentos abusivos e traz uma história real, anônima, para enfatizar o perigoso “modus operandi do narcisista”. No final, há um pequeno glossário para uma consulta rápida de termos relacionados ao assunto. O que buscam as autoras? Provocar “o conhecimento sobre o transtorno da personalidade narcisista, que, embora possa afetar qualquer pessoa, é mais frequente em homens, que escolhem suas vítimas a dedo – pessoas carinhosas, atenciosas, empáticas, sensíveis e generosas, porém vulneráveis”. Ao identificar o transtorno, certamente as mulheres terão mais ferramentas para saber se já foram vítimas ou se ainda são e podem evitar relações futuras com perfis semelhantes. Relações que causam danos e traumas, muitas vezes irreparáveis, e podem afetar a autoestima, gerando culpa, afastamento dos amigos e da família, solidão, entre outras consequências perniciosas para uma vida já contaminada.
Antídoto e libertação
É um livro que pode ser definido “tanto como antídoto quanto libertação” porque traz informações que provocam uma reflexão necessária e libertam. “Precisa ser disseminado entre todas as mulheres, que juntas poderão se defender e proteger umas às outras dessa forma de relacionamento que não pode continuar a ser normalizada. É uma espécie de grito de alerta em nome da cura e do acolhimento para as vítimas de relacionamentos abusivos”, diz Heloísa.
O psicanalista e psiquiatra Rafael Wanke, que assina o prefácio, diz: “Corra e não olhe para trás é um livro cuja proposta é a de que a direção da cura psíquica está na busca por relações mais equilibradas, pois, justamente, o que foge da objetificação é a relação saudável”.
Mais uma vez afirmo que a arte salva e que a leitura descortina horizontes e aponta caminhos. Descobrir novos autores e autoras que apontam realidades excludentes calcadas no machismo e no preconceito estrutural que contamina a nossa convivência e o nosso bem estar, é libertador.
Foto da Capa: Freepik