(Colaborou Lucas Brayner)
Eu sou de um Estado reconhecidamente “musical” – Pernambuco – com uma imensa variedade de ritmos, estilos e sonoridades, em que dança e música se entrelaçam ao ponto de fazer do Recife, por exemplo –Terra do Frevo! – uma dessas cidades que produziu um gênero particular e único, a exemplo de Viena (Valsa), New Orleans (Jazz), Coimbra (Fado), Rio (Bossa Nova) …
Como todo pernambucano acha que tanto a teoria Heliocêntrica quanto a Geocêntrica estão erradas (o centro do Universo é Recife – o “Recifocentrismo”), eu conheci as músicas e os compositores gaúchos através de intérpretes interpostos: Lupicínio através de Jamelão; Radamés através de Tom Jobim… quer dizer: entre mim e os músicos e compositores gaúchos sempre se intrometeu um “atravessador”, excelente, aliás! Não foi diferente com o maestro e compositor gaúcho Flávio Oliveira, que me foi apresentado pelo meu filho, também músico, Lucas Brayner.
Flávio Oliveira nasceu em Santa Maria em 1944. Seus primeiros contatos com a música se deram muito cedo, antes mesmo de entrar na escola, através da escuta das transmissões de rádio da época. Conta que seus pais gostavam de ouvir música de concerto à noite, sintonizando algumas rádios, e a sua primeira lembrança de escuta de música tocada por uma orquestra remonta aos três anos. O rádio, o cinema e depois o teatro, fizeram parte da educação musical e artística de Flávio Oliveira e, futuramente, viriam a trilhar o seu caminho profissional e também pessoal.
Ao tocar de ouvido as músicas que ouvia na rádio em um piano na casa de uma tia, Flávio logo iniciaria seus estudos de piano em Porto Alegre com a professora Zuleika de Araújo Vianna, sobrinha neta do compositor José de Araújo Vianna, aprendendo também a ler e escrever música. Em 1966, presta vestibular e é aprovado para o Curso de Composição e Regência do Instituto de Artes da UFRGS. Permanece na UFRGS frequentando disciplinas dos dois cursos. Pelo decreto de número 477, editado pelo governo da ditadura militar que governava o país em 26 de fevereiro de 1969, Flávio Oliveira é expulso da UFRGS e impedido de frequentar qualquer curso universitário no Brasil. Na prática, o decreto estabeleceu rito sumário para demissões e desligamento de professores, funcionários e estudantes que praticassem infração disciplinar considerada subversiva nas universidades brasileiras.
Flávio afirma que nunca ficou sabendo quais acusações lhe teriam sido imputadas, pois, apesar de procurar as autoridades do Departamento Federal de Segurança Pública e o DOPS, indicadas pela secretaria do IA-UFRGS para que ―buscasse seus direitos‖, estas instituições nunca lhe revelaram o porquê de sua expulsão. Por iniciativa de uma autoridade da reitoria da UFRGS, em 1975, a professora doutora (área de inglês) professora Nora Thielen, chefe de gabinete do então reitor em exercício, tendo sabido do que acontecera a Flávio, encaminhou um processo administrativo que reintegrou Flávio à UFRGS e, então, ele pode concluir sua Licenciatura em Letras. Flávio continuou tendo aulas de música em cursos de verão e festivais, nos quais pôde ter aulas de regência com nomes como Carlos Alberto Pinto.
Desde a sua infância e adolescência, Flávio Oliveira compõe de maneira autodidata. Em sua trajetória enquanto compositor, são destaques três grandes artistas e professores com quem buscou estudar e dialogar: Roberto Schnorrenberg, com quem teve aulas de composição em dois cursos de férias em 1961 e 1962; Armando Albuquerque, com quem estudou contraponto em 1961 e mais tarde, em 1964, conviveria de maneira assídua ao trabalhar como colaborador na Rádio da UFRGS; e Maurice Le Roux, compositor francês que ministrou um seminário de composição na USP-SP em 1974, ocasião na qual Flávio estreou ao piano a sua obra “Jogo”, composta em 1972.
Prêmio Açorianos de 1985 para Merlin, a terra deserta, do dramaturgo Tankred Dorst, com direção de Arines Ibias; Prêmio Açorianos de 1986 para 1941, com texto de Ivo Bender e direção de Décio Antunes para o projeto Fumproarte; Prêmio Tibiquera de 1998 para Mundéu, o Segredo da Noite, dirigido por Gilberto Icle; Prêmio Açorianos de 2006 para Mulheres Insones, com coreografia de Carlota Albuquerque e direção de Décio Antunes. De sua obra destacam-se … ”Quando olhos e mãos”, para piano e pianista amplificados; “Movimentos: variações, para trombone, oboé e dois pianos”; “Romanza”, para orquestra; o ciclo “Canções de Emergência”, para voz e piano; “Round about Debussy”, para piano e idem versão orquestral; “Introdução de Ravel”, para maestro e conjunto de câmara; “Recorrências”, sobre poemas de Paulo Roberto do Carmo, para barítono e orquestra de cordas com flauta e oboé, dentre outras.
Flávio Oliveira trabalhou como programador na Rádio da UFRGS, de 1964-1972 e 1984-2003, produzindo numerosas séries de programas com o objetivo de divulgar para o grande público a música de concerto, realizando igualmente uma reestruturação da programação e do serviço de discoteca. Das séries produzidas, destaca-se A-B-C da Música, que tinha por objetivo estimular a escuta da música e o conhecimento das formas musicais.
Para um pernambucano como eu, amante da música pianística, conhecer a obra do Maestro Flávio Oliveira é uma daquelas formas de aprendizado cultural que, às vezes, só o exílio espiritual permite: sair de nosso etnocentrismo (no meu caso, “Recifocentrismo” cultural) e conhecer aquilo que só a distância e o afastamento de si mesmo proporcionam.
Foto da Capa: Divulgação
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