Um fato recente aponta para um comportamento que merece ser mais investigado no modo de ser do público, ou de parte do público, que frequenta estádios de futebol no Brasil. E mais: averiguar como esse comportamento fala sobre o país em que vivemos hoje.
Vamos ao fato. Na partida contra o Audax, no Rio, no dia 12 de janeiro de 2023, a torcida do Flamengo cantou, durante o um minuto de silêncio em memória de Pelé, falecido poucos dias antes, o seguinte: “Zico, Zico, Zico! Pelé é maconheiro e Maradona é cheirador!”. A letra é uma paródia ao canto da torcida santista: “Mil gols, mil gols, mil gols! Só Pelé, que jogou no meu Santos!”.
Zico veio a público e se manifestou dizendo que não se sentia homenageado com aquela música, pois a letra agredia dois ídolos do futebol que são símbolos dos seus países, além de terem sido dois grandes amigos seus. Desafiou a torcida a usar sua criatividade de outra forma.
A torcida criou uma nova letra e, na partida contra a Portuguesa carioca, no dia 15 do mesmo mês, entoou: “Zico, Zico, Zico! Gabigol é artilheiro e Adriano imperador!”. Agora exaltava também dois outros jogadores do Flamengo.
Mas o que me inquieta vai além das letras. É certo que o futebol é uma competição. A disputa das duas torcidas está remetendo à história de cada clube. A questão delas é exaltar, através de seus ídolos máximos, qual time é superior. A do Santos canta a exclusividade. Só Pelé alcançou até hoje a marca de mais de mil gols. A do Flamengo reage enaltecendo, por um lado, seu craque maior e, por outro, usa a arma do escracho para desfazer o reinado de Pelé e Maradona.
Contudo, cantar a sua reação ao chamado rei do futebol exatamente durante o um minuto de silêncio é ir além da conta da rivalidade. Ora, o que faz um esporte competitivo ter interesse é justamente haver opositores que inspirem a cada um querer se superar. Saber respeitar os méritos alheios é importante para o nosso próprio crescimento.
Sem falar no próprio desrespeito ao luto dos familiares e de todos aqueles que se importam com a perda de Pelé. Essa atitude de não respeitar o um minuto de silêncio nos estádios brasileiros tem sido uma rotina no nosso futebol.
A falta de consideração com os vivos e também com os mortos pautou a sociedade do nosso país nos últimos anos. É hora de recuperar a humanidade de cada um. O futebol com suas torcidas não está fora de um contexto maior que ele reflete.
Que tal passar a multar ou a tirar pontos de clubes cujas torcidas não fazem silêncio durante o um minuto de… silêncio!