Esta semana, apareceu como sugestão no LinkedIn uma vaga de trabalho que me pareceu a minha cara. Depois de 10 anos exclusivamente como autônoma, de vez em quando bate em mim aquela vontadezinha de voltar ao mundo corporativo – trabalhar em equipe, ter um escritório, metas definidas por terceiros (tá, eu sei, já estou mudando de ideia, enfim). De qualquer maneira, esses acenos ao mercado não carregam grandes expectativas. São mais como uma garrafa ao mar, no estilo “vá que…”
Depois de ler a descrição da empresa e da função citada acima, enviei minha candidatura para o cargo de gerente de conteúdo. Na descrição da oferta, informavam a faixa de remuneração, mas pediam que o candidato mencionasse a pretensão salarial “mínima como pessoa jurídica”. Os valores mencionados pela empresa não eram particularmente atrativos, mas, como não faço questão de contrato CLT e tenho uma boa experiência, pensei (ingênua, eu?) que tinha margem para negociar. Considerando o que li, digitei um valor que achei adequado para ambas as partes.
Logo depois de enviar a candidatura, reli os requisitos com mais atenção e… vi que os valores propostos já eram para PJ! A primeira sensação foi de meu deus do céu que foi que eu fiz, como desmanda o currículo??? Constrangimento absoluto por ter achado que a remuneração pedida por mim estava de acordo com o nome do cargo. Aí vem a grande questão: já reparou que agora qualquer cargo é Head (meu preferido), Gerente, Diretor? Não importa que a única coisa que a pessoa tenha autonomia para gerenciar ou dirigir seja a organização da própria estação de trabalho ou o carro para e do escritório. Importa menos ainda que o salário mal pague os carnês das roupas compradas pra fazer bonito no office.
De onde veio isso?
Para mim, jornalista de formação (e ofício, com 12 anos passados exclusivamente em redações de jornal, TV e internet), o conceito de “plano de carreira” sempre pareceu abstrato e meio sem sentido. Claro, havia os que almejavam conquistar o status de “editores” ou “repórteres especiais”, mas, talvez enganada pela juventude, a ambição que eu mais percebia entre os colegas tinha mais a ver com a realização de um trabalho memorável do que receber uma promoção. Nas conversas de corredor ou de bar, sonhávamos com fazer grandes coberturas, escrever ótimas reportagens, editar programas ou páginas marcantes – e, com isso, aumentar nosso valor de mercado para termos melhores salários.
Quando fui transferida para a área corporativa, um dos maiores estranhamentos que senti foi no quanto os profissionais tinham a conquista de cargos como objetivos reais. Um dia, no bar da empresa, ouvi o seguinte diálogo, que até hoje me parece surreal:
– Até os 35 anos, quero ser diretor.
– Diretor de quê?
– Não sei. Só sei que impus isso como meta para mim.
Olhei para a dupla já meio rindo, esperando o fim da piada, mas não era brincadeira. A conversa seguiu com a descrição do plano de ação que estava em curso desde que o moço, então com vinte e poucos anos, entrara na faculdade. A verdade é que, hoje, ele provavelmente tem pouco mais de 35 anos e provavelmente tem um cargo que leva o nome de diretor, head ou, vá lá, CEO de alguma coisa. Se está conseguindo manter o status com a remuneração do cargo, são outros 500.
Tradutora autônoma (ou freelancer, para usar o bom português), criei uma marca para diferenciar a persona profissional da pessoal. A verdade é que nunca deu muito certo, é tudo meio misturado mesmo. Mais do que nunca, não sou um cargo. No meu Facebook, como chiste, eu já me declaro “CEO e soberana” da tricolina, marca quase diletante surgida na pandemia com que comercializo produtos têxteis produzidos pela minha mãe e por mim. Com a ficha me caiu com essa história do gerente que ganha pouco mais que um foca no jornalismo, estou pensando seriamente em criar para mim um cargo: o de Imperatriz das letras.