Por estas voltas que a vida dá estava eu um dia no gelado arquipélago de Svalbard, em pleno Oceano Ártico, quando fomos visitar uma mina de carvão, operada por uma empresa da Noruega (que também administra as ilhas). Era uma mina de antracito, uma forma de carvão formado em alta temperatura com queima mais limpa e poucas impurezas, sendo por isso muito valorizado.
O nosso guia na visita era um norueguês extrovertido (coisa rara!) que já havia trabalhado como mineiro, mas agora ganhava a vida como guia turístico. Eu lhe perguntei o que fazia durante o rigoroso inverno das ilhas, quando o sol fica meses sem aparecer. Ele respondeu: “Eu passo seis meses aqui e nos outros seis meses eu vou para o Ceará”. Surpreso, eu perguntei para confirmar: “Ceará?”, e ele respondeu: “Sim, tenho uma casa lá, e vou viver no Ceará quando me aposentar – não vou mais passar frio!”
Essa conversa me fez lembrar de uma outra história – também verídica – que eu li há alguns anos, sobre uma baiana, casada com um norueguês, que mora na também gelada Groelândia! E não pretende sair de lá. Não lembro de terem lhe perguntado, mas imagino que a essa altura ela deve achar que na Bahia faz muito calor!
Ambos, o norueguês cearense e a baiana da Groelândia, estão felizes com os lugares que escolheram para viver. O fato é que nós humanos, embora estejamos agora espalhados pelo planeta, não somos tão diferentes assim em nossa reação à temperatura. Ainda que alguns sejam um pouco mais tolerantes ao frio ou ao calor, as diferenças de fisiologia tendem a ser mais influentes do que o lugar onde nascemos.
Todos parecemos ainda estar adaptados aos planaltos do leste da África onde nossa espécie surgiu, em que as temperaturas médias são em torno de 20 graus centígrados (há controvérsias quanto à exata localização, mas nenhuma hipótese contempla um lugar muito quente). Quando faz frio, precisamos nos aquecer. Quando faz calor, nos refrescar. Todo mundo é assim.
Geralmente, ao pensar em aquecimento e refrigeração e a emissão de gases de efeito estufa nos ocorre primeiro o aquecimento. Afinal, foi para se aquecer no inverno que os europeus utilizaram o primeiro combustível fóssil: o carvão, que depois serviu para mover as máquinas a vapor da revolução industrial. E até hoje é a principal fonte de eletricidade no mundo.
O uso do carvão para o aquecimento, e depois nas máquinas, deixou as cidades europeias intensamente poluídas. Os prédios, originalmente de uma cor bege ou vermelho claro (a maioria era revestida por arenitos), ficaram enegrecidos (foi somente nos anos 1990 que a técnica de jatos de areia conseguiu devolver aos prédios sua cor original).
Além disso, o ambiente era tão tóxico – já que a queima de carvão libera não apenas CO2, mas óxidos de nitrogênio e muita fuligem – que as doenças pulmonares eram uma das principais causas de mortes.
Ao longo do século XX, o carvão usado para o aquecimento foi sendo substituído progressivamente pelo gás natural, cuja queima é mais limpa, basicamente CO2, de modo que a poluição diminuiu.
Mas o aquecimento, que antes era utilizado com muita parcimônia (o carvão era caro – e em muitos lugares as pessoas ainda faziam uso de madeira), passou a ser usado por conforto, e não apenas para sobreviver, pelo menos nos países mais ricos. O resultado foi um tremendo aumento do consumo do gás natural, que também é utilizado em diversas indústrias e cada vez mais na geração de eletricidade, substituindo o carvão.
Atualmente, o consumo de gás natural para aquecimento é de cerca de 1 trilhão de metros cúbicos por ano (6 trilhões de barris de petróleo equivalente – um número gigantesco se considerarmos que o consumo total de petróleo no mundo é de 35 trilhões de barris por ano).
Mesmo num mundo mais quente, ainda fará muito frio em muitos lugares. Na verdade, a tendência é que todos os eventos se tornem mais extremos. Quando chover, as chuvas serão mais intensas, quando fizer calor, as temperaturas serão muito mais altas e quando fizer frio, fará muito frio.
O Rio Grande do Sul, de todos os estados do Brasil, é o lugar em que estas mudanças estão cada vez mais claras. Mas em breve todos vão perceber os mesmos padrões. Será o novo normal, que não nos parecerá nada normal.
A melhor alternativa ao gás natural para nos aquecermos é o uso de eletricidade. Mas ainda é menos eficiente, e mais cara. Ou seja, é preciso mais eletricidade para conseguir o mesmo aquecimento que o gás natural, e se paga mais. E é bom lembrar. Com a melhora do padrão de vida e a eletrificação de veículos já se espera um enorme crescimento na demanda por eletricidade que, como vimos, ainda é em grande parte produzida com o uso de combustíveis fósseis.
E o ar-condicionado? Depois de ser inventado nos Estados Unidos em 1902, ele foi, por algumas décadas, considerado um item de luxo. Mas a partir da década de 1950 seu uso passou a ser generalizado. Hoje não se imagina o mundo moderno sem ar-condicionado. Cidades inteiras, ou mesmo países, como Houston, Dubai e Singapura, só puderam crescer, e enriquecer, por contarem com ar-condicionado em praticamente todos seus prédios.
Os aparelhos de ar-condicionado funcionam à base de eletricidade. Muita! Se você tem esses aparelhos em casa, sabe que nos meses quentes, eles ocupam a principal parcela de sua conta de luz. E em muitos lugares do Brasil faz calor o ano inteiro!
Mas sua distribuição no mundo ainda é muito irregular. E injusta. Nos países ricos, onde as temperaturas são mais amenas, cerca de 90% das residências dispõem de ar-condicionado. Nos países mais quentes, onde a população tem, em média, menor poder aquisitivo, apenas 10%.
Mas isso está mudando, a melhora no padrão de vida e a simples necessidade de sobrevivência no mundo mais quente está fazendo com que as vendas de aparelhos de ar-condicionado estejam crescendo cerca de 10% ao ano. E isso só vai aumentar. Junto com a demanda por eletricidade.
E essa é só uma parte do cenário. Muitas empresas, de casas comerciais a grandes galpões industriais, que hoje operam utilizando ventilação natural, ou usando ventiladores, não vão mais conseguir operar sem ar-condicionado. E isso talvez represente uma demanda ainda maior do que a do uso residencial.
E ainda temos os computadores. Como você deve saber, computadores aquecem! O meu laptop tem duas ventoinhas. No dia em que uma falhou ele se recusou a continuar funcionado (agora eles têm vontade própria!).
Mas as grandes florestas de servidores, que é o termo utilizado para os conjuntos de grandes computadores que controlam quase tudo que se faz na internet, das transações financeiras aos vídeos do TikTok, precisam ser mantidas em temperaturas baixas. Por sistemas de refrigeração que demandam uma imensa quantidade de energia.
Juntos, aquecimento e refrigeração já representam 50% da demanda mundial de energia e são responsáveis por 40% da emissão de gases de efeito estufa.
E a Agência Internacional de Energia estima que a demanda por ar-condicionado vai triplicar até 2050.
Alguma dúvida que devemos nos preocupar com isso?
Esta seria a última coluna da série sobre os processos que geram gases de efeito estufa. Mas semana que vem farei ainda um fechamento deste tópico, antes de começarmos a ver os efeitos do aquecimento global no planeta e em nossas vidas.
E não esqueça de ver o vídeo que colocarei na próxima quinta-feira na minha conta do Instagram @marcomoraesciencia, com mais detalhes sobre o assunto da coluna de hoje.
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