Já escrevi muito sobre a nossa capital. E já fiz inúmeras perguntas aos que governam. Mas, diante do que tenho visto e especialmente depois do que aconteceu na Cidade Baixa durante o carnaval, quando a folia foi reprimida com brutalidade e preconceito, preciso voltar às perguntas. O Brasil tomou as ruas para brincar no carnaval, mas aqui quem tomou as ruas foram os policiais e a violência correu solta. Basta bater e prender para resolver os problemas? Como os administradores autorizam tais atitudes? Como percebem o lugar que habitamos? Sob o princípio do bem-estar de quem vive na cidade? Ou sob a lógica da repressão, autorizando a polícia a espancar indiscriminadamente? A partir da natureza viva, atraente e inclusiva, que chama para a festa e respeita as pessoas? Ou a partir do “quem dá mais leva”?
Quem se importa com as pessoas que só têm o espaço público para acolhê-las? A quarta-feira pós-carnaval foi de cinzas em todos os aspectos.
A presidente do Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre, Rozane Dalsasso, assinou um artigo necessário sobre o assunto. Segue um pequeno trecho: “Até os municípios pequenos realizaram a festa carnavalesca. As capitais brasileiras com inúmeras atrações, Blocos de Rua, Escolas de Samba e milhares de turistas e a capital do Rio Grande do Sul com essa inércia, esse vazio, preenchido pela polícia nas ruas reprimindo violentamente as pessoas. Porto Alegre se tornou a capital do atraso cultural. Mas a gente continua resistindo. A Cultura resiste, apesar do desgoverno da capital. Nós queremos arte porque a arte salva e é direito constitucional o acesso à Cultura!”.
Porto Alegre já não é mais a cidade acolhedora que escolhi para viver. O lixo segue espalhado pelas ruas. Os fios enrolados em postes, soltos pelas calçadas, obstruindo as passagens, são um perigo. Nenhuma atitude objetiva que aponte para uma solução e para a limpeza. Apenas o jogo de buscar culpados. Ninguém chama os responsáveis para uma conversa franca e transparente – Quem faz o quê? Esta é a realidade da cidade onde vivemos e nos relacionamos cotidianamente, seja para o trabalho ou para o lazer. A minha lógica diz que um administrador deve, por princípio, saber o que funciona e o que não funciona. Feito isso, buscar profissionais que entendam a vida urbana, a relação com os habitantes e partir para ações efetivas. Jamais eximir-se das responsabilidades. Promessas, na maioria das vezes, não se concretizam. Mas quem circula pelas ruas cotidianamente – mulheres, homens, velhos, jovens, adolescentes ou crianças – precisa de segurança, precisa de atenção, precisa de acessibilidade e de conforto. Ambientes limpos e agradáveis para que o andar – seja em direção ao trabalho, à escola, às compras, aos negócios e ao lazer – seja tranquilo. Mas o poder público não percebe tais valores.
São muitos os desafios e o interesse em encará-los e resolvê-los é pouco.
Depois da tragédia provocada pelas chuvas, veio o calor intenso. É vital aprofundar as questões que desestabilizam cada vez mais o meio ambiente. Os desafios passam pelo entendimento do que acontece e interfere no cotidiano de todos nós e pela diversidade humana que habita o espaço urbano. O ponto justo seria jogar no lixo a velha política do “toma lá, dá cá”, que facilita a corrupção, a privatização desmedida e o desmatamento. É preciso conhecer profundamente os pontos positivos e negativos, entender as demandas da população, planejar e executar. Buscar um jeito humano na essência, de promover o bem-estar e ativar o crescimento. Estabelecer um diálogo franco que compatibilize conceitos, encontre identidades, equilibre posições e construa um novo andar na direção do respeito e da humanização. Desburocratizar os serviços e fazer um bom uso do dinheiro público. Valorizar nossos talentos. Investir em educação, saúde, segurança e melhorar as condições de vida da população de baixa renda. Observem a infraestrutura oferecida para pessoas em cadeira de rodas e pessoas cegas. É mínima! As dificuldades de circulação são enormes. Quase nada acolhe a condição de alguém com uma deficiência. Vivo isso todos os dias!
E quando partem para o investimento em obras com o objetivo de melhorar a infraestrutura, não se dão ao trabalho de consultar técnicos, especialistas, profissionais das nossas universidades. O descaso com o conhecimento, a experiência e a informação da nossa gente é total. Partem em comitiva para a Holanda em busca de uma sabedoria que temos aqui. Poderíamos ter campanhas para o descarte correto do lixo. Assim como ensinar como colocar asfalto nas ruas e fazer um calçamento adequado. E, claro, consultar pessoas com deficiência para fazer o que é mais adequado e facilitar a autonomia. Preocupam-se em rechear discursos e depois em vangloriar-se dos feitos, quando o que fizeram não foi nada mais do que a obrigação mínima de alguém que detém um cargo público.
Está difícil respirar! Porto Alegre precisa voltar a ser demais!
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Foto da Capa: Reprodução da RBT TV