O “empreendedor de si” coloca o sonho na garupa da moto e vai para mais um dia de trabalho. Iludido, vê a nota fiscal que emite – sem vale-refeição, plano de saúde, férias e décimo terceiro salário – e acha que é dono de si mesmo. Pensa que vende sua força de trabalho, quando, na verdade, barganha a sua escravidão.
Assim mesmo, crê que está acima dos trabalhadores celetistas; já que descanso, para ele, é salário de preguiçoso. Acha que ainda pode ficar rico e que, se não consegue, é porque não se esforça o suficiente. Ao não escutar os sinais de seu corpo, chega em casa e naturaliza o cansaço absurdo com duas ou mais latinhas de cerveja. Só assim consegue dormir mais rápido. Um dia qualquer, resolve jogar uma pelada e matar a saudade da galera que nunca consegue ver. Num ataque fulminante, morre sem nem ter conseguido chegar perto da bola.
Por não ter podido se cuidar, acaba deixando três filhos e esposa. A companheira, sem pensão e sem ter como pagar os próximos aluguéis, vai acabar tendo que se virar ainda mais. Agora, em vez de tirar a sua folga por semana, vai pedir à patroa para fazer uns extras passando roupa aos domingos. O mais velho, caixa de mercado, vai trocar o 6×1 com salário mínimo pelo 7×0 da moto do pai, ainda que sem carteira de motorista: a promessa que o pai não teve tempo de cumprir.
Nos últimos dias, parece que a classe trabalhadora se sacudiu e que já não está buscando essas tristes histórias de quem morre na contramão, atrapalhando o sábado. A bola da vez é a possibilidade de votação no Congresso Nacional da PEC (proposta de emenda constitucional) contra a escala de trabalho 6×1 que, em nosso país, permite seis dias de trabalho em uma jornada máxima de 44 horas semanais. No final da última quarta-feira, 13/11, a proposta encabeçada pela deputada Erika Hilton conseguiu muito mais do que o número mínimo de assinaturas. A meta mínima era de 171 firmas de deputados para poder tramitar no Congresso Nacional, mas chegou a 231. Este é apenas o início de uma longa conversa que ainda prevê comissões especiais na Câmara e no Senado.
A internet entrou em polvorosa e se articularam algumas manifestações nas ruas. Além de tornar inconstitucional apenas um dia de folga, a proposta prevê um regime capaz de permitir um máximo de três dias de pausa, como adotado com êxito por muitos países.
Neste mesmo dia, Lula postou nas redes sociais um vídeo de sua caminhada matinal, no qual incentivava a população à prática de exercícios e cuidado com a saúde. Nos comentários, muitos internautas pediam o apoio de Lula à tramitação contra a jornada 6×1, aludindo à impossibilidade de manter práticas saudáveis nesse regime.
Nas mídias, a classe da deputada Erika Hilton, 31 anos, mulher trans e ativista, se destaca, assim como a sua retórica e capacidade de articulação política. Resta saber se a classe trabalhadora ainda consegue responder com um vigor que transcenda as redes sociais.
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Foto da Capa: Letícia Bond / Agência Brasil