Não, eu não sou um robô. Eu sou humana e jornalista. A escrita é o meu principal instrumento de trabalho. Profissionalmente, produzo textos, bons textos, outros médios e até uns bem ruins. Ora imperfeitos, ora brilhantes. Humana, demasiada humana. É assim há 22 anos. Então por que este título de artigo?
Porque esta foi a chamada para o primeiro texto escrito por um software de geração de linguagem natural e publicado pelo Jornal The Guardian, em setembro de 2020, há dois anos. O software de inteligência artificial foi pautado pelo editor do jornal. E, sim, o texto inteiro foi escrito por um robô. Mas calma. Não foi para assustar ninguém, não com este título.
Acabou o jornalismo, bradam os mais afoitos.
Jamais escreverão como nós, opinam os corporativistas.
Isso não é jornalismo, disseram os mais puristas.
O amigo robô escreveu umas linhas otimistas. É provável que estivesse querendo agradar o editor do jornal. Até simpatizei com a máquina, palavras bem escritas. Gosto delas. Confesso que eu tenho pensado que há textos que deixaremos de escrever em breve. Nós, os humanos. Os softwares assumirão o comando da escrita repetitiva, padronizada, protocolar. Não há motivo para alarmismo, o meu foco é a informação. Sou contra os textos caça-cliques! Mas trago dados de realidade. Textos automatizados são rotina em alguns grupos de mídia pelo mundo afora.
A lógica é parecida com a circulação de posts em plataformas de mídias sociais. Quanto mais padronizamos o nosso comportamento e repetimos ações, mais alimentamos o algoritmo na definição exata do que gostamos e não gostamos. Assim se forma a bolha invisível no Facebook e cia. É repetitivo, reprodutível e certeiro. Não tem erro, não tem vulnerabilidade, não tem falha. Robótico, demasiado robótico.
Pois, então, o texto. Há quem acredite em fórmulas narrativas infalíveis. Escreva desta forma e os leitores vão amar! Eu discordo. Provavelmente porque falho terrivelmente em adotar um padrão de escrita. Até porque nem sempre escrevo o que eu quero, escrevo o que precisa ser escrito, na forma demandada. Depende da pauta. É assim a vida do jornalista e simpatizantes. Escrever e ler, ou Sler, acrônimo que batiza esta plataforma na qual os escrevo.
Mais que um acrônimo, Sler é um estilo de vida. Uma plataforma para quem gosta de se alimentar de textos e também fornece alimento para os ávidos por mais algumas palavras. Talvez seja assim, um dia viraremos aqueles animais de zoológico – aliás não deveria ser proibido prender animais em jaulas? Pergunto em causa própria. As pessoas e os robôs passarão por nós e dirão “são dos poucos sobreviventes daquela espécie que escrevia antes da dominação dos robôs”.
Assim será. Ou não. Quanto a mim, seguirei escrevendo enquanto o robô me permitir. Agora em um novo espaço, no acrônimo, na plataforma, na Atlantis, na Sler. Me sinto desembarcando da arca de Noé pós-dilúvio, uma sobrevivente, com chance de reescrever o mundo. Quanto mais despadronizada, melhor.
Até a semana que vem!