A leitura dos jornais e sites de notícias, no fim de semana, me remeteu ao samba Acreditar, parceria de dona Ivone Lara e Delcio Carvalho. As manchetes bem poderiam inspirar um coro de multidões.
Acreditar, eu não…
Recomeçar, jamais
A vida foi em frente
E você simplesmente não viu que ficou pra trás
Folha de São Paulo, 30/03/2024: Datafolha: 53% descartam nova ditadura no Brasil)
G1, 29/03/2024 : Datafolha: 55% acreditam que Bolsonaro tentou dar golpe para continuar presidente.
Os resultados das pesquisas também mostram que já não é tão importante a realização de grandes eventos para lembrar e lamentar aqueles 21 anos entre a derrubada de João Goulart, em março de 1964, e o fim da ditadura, com a eleição indireta de Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985. Eleição, aliás, que deve ter sido recebida como um presente amargo pelo general João Figueiredo, último ditador, que completava 67 anos naquele dia.
Os brasileiros podem não saber, ainda, muito bem o que querem, divididos nessa nefasta polarização que nos atrapalha a vida desde 2018. Mas, mostram as pesquisas, 53% sabem muito bem que não querem a volta do autoritarismo. E vão lembrar de Bolsonaro, 55%, como um golpista.
Outra pesquisa, também do Datafolha, revela que a imensa maioria, 65% dos brasileiros, trata a invasão e a depredação das sedes dos três poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, como ato de vandalismo. Outros 20% afirmam que a baderna foi uma tentativa de golpe.
Óbvio: nesses 65% que minimizam os atos do 8 de janeiro de 23 estão misturados os golpistas que, agora, tentam se eximir de culpa naquele atentado à democracia, definido por Almino Affonso, ex-ministro do governo João Goulart e última testemunha viva do golpe do golpe de 1964, como um “pastiche mal acabado”.
Mas também estão nesses 65%, e precisam ser somados aos 20% que afirmam ter sido tentativa de golpe a depredação da Praça dos Três Poderes, aqueles que têm Bolsonaro na conta de golpista.
Volto a Almino Affonso e à entrevista dele publicada pela Folha de São Paulo neste 31 de março. Aos 94 anos, filiado ao PSB, Almino lembra o cenário político de 60 anos atrás para mostrar que as articulações bolsonaristas não passam de uma imitação grosseira do que houve em 1964.
Em poucas frases, o ex-ministro do Trabalho do governo João Goulart e ex-deputado federal pelo antigo Partido Trabalhista Brasileiro, fundado por Getúlio Vargas, mostra a diferença entre do golpe de 1964 e as trapalhadas da direita bolsonarista no período 2019/2023. Olha o que disse Almino:
“Lá atrás, a cúpula militar conspirou junto com setores da sociedade civil para derrubar o governo eleito, com apoio externo. A história é longa e entra uma coisa chamada Estados Unidos.”
A matéria publicada na Folha deste domingo recorda que, em 2018, Almino chegou a considerar um exagero tratar Bolsonaro, recém eleito presidente da República, como golpista. E justifica: “Ele era ninguém. Literalmente ninguém”.
Hoje, ele tem outra opinião, como conta a Folha. Palavras de Almino:
“Se alguém disser que Bolsonaro não tem nada a ver com o episódio todo, aquele quebra-quebra [em Brasília], é um imbecil.”
Voltei às notícias de ontem e anteontem porque vi informações que reforçam uma opinião que já externei em outras ocasiões. Não precisamos mais caminhar como se a sombra de um golpe ande ao nosso lado. Cabeças lúcidas têm mostrado que as articulações desse nova extrema direita nacional estão mais para as trapalhadas do Sargento Tainha e do Recruta Zero do que para mobilização das Forças Armadas.
Outra coisa que, para mim, soa até meio surreal. Leio e ouço que o golpe militar só não se concretizou porque o Exército e a Aeronáutica não aderiram. Ora, se as Forças Armadas não aderiram, me parece que o risco foi zero, não? Sem apoio da sociedade, com toda a mídia contra, sem apoio internacional, sem ajuda do empresariado, que golpe seria esse?
Foto da Capa: Arquivo Público|DF / Divulgação
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