Nefofilia, descobri nessa última semana, é o amor pelo céu e pelas nuvens. Eu sofro de nefofilia e sei que não estou sozinha nesse amor. Amar o céu parece algo meio óbvio, como amar um pôr do sol. Mas amar as nuvens já é diferente. Amar as nuvens é amar a mudança, a impermanência. Num instante, aquela formação bonita pode mudar e o cenário fica todo diferente. A velocidade do céu é bem diferente da velocidade do chão. Saber que aquela cena específica não vai mais se repetir pode nos ensinar o valor de desfrutar o momento presente, sem querer aprisioná-lo ou desdenhá-lo só porque ele pode ser revivido a qualquer momento.
A vida, as pessoas e as relações são um grande céu. Nem as melhores previsões dos melhores laboratórios e centros de meteorologia são infalíveis. Formações de nuvens mudam a direção, chuvas se avolumam onde parecia que nem chegariam. Pessoas nos surpreendem e chovem inesperadamente, fazem sol, esfriam, esquentam, se abrem quando tudo parecia nublado. A vida e o ser humano são realmente um grande mistério. Mas nem tudo é sempre areia movediça, ainda bem. Depois de um certo tempo, passamos a conhecer um pouco mais o comportamento meteorológico emocional das pessoas com quem convivemos mais e as surpresas passam a ser menos frequentes e menos devastadoras. Com sorte, porém, seguirão acontecendo, porque previsão que acerta demais não abre espaço ao inusitado.
Mas esse texto não é sobre nuvens nem sobre pessoas. Esse texto é sobre coisas, objetos materiais e sobre o tempo que implacavelmente corrói tudo que nele habita, (quase) independentemente do material do qual o objeto é feito. Alguns dias atrás, chamei um pintor para avaliar uma parte externa que tenho em casa e fazer um orçamento. Chamei porque me surpreendi ao ver fotos antigas (leia-se 3 anos de distância) desse mesmo espaço. Paredes brancas, pintura perfeita. Não percebi o escurecimento a olho nu, o dia a dia nubla a percepção de muita coisa.
Quando o pintor chegou e começou a avaliar o que precisaria ser pintado e novamente lixado, fui percebendo quanta coisa poderia ser melhorada, dentre elas o piso. E aí que trago o ponto: o piso dessa área externa é de um material cimentado que, eu já sabia, teria rachaduras com o passar do tempo e que esse poderia até ser um “charme”. Mas essas rachaduras têm me incomodado e, quando fui perguntar que soluções ele teria para me oferecer, ele me disse que algumas, mas nenhuma impediria a rachadura que eventualmente venha a surgir. “Nem mesmo porcelanato?” que, confesso, eu nem queria, mas se ele me dissesse que sim, eu toparia. Nem porcelanato. Teu vizinho colocou e agora tem peças quebrando.
Ou seja, tal como raiz de árvore, que desobedece ao asfalto e ao concreto, a rachadura abala tudo que se coloca sobre ela, não tem solução. O tempo consome tudo, senhora. Eu sei, seu Julio. Eu sei. Queria que ao menos na construção essa lei não fosse tão verdadeira assim. Uma vez, quando eu ainda fazia autoescola, com 18 anos, preparando-me para ter minha primeira habilitação, fazia uma aula prática com o instrutor e, andando numa via de duas mãos, perguntei a ele: “Como a gente sabe que um carro que vem no sentido contrário não vai invadir a pista de cá e bater?” “A gente não sabe”. Essa foi a lição mais inesquecível de todo meu tempo de preparo para os exames.
É. Talvez nuvens sejam bem mais fáceis de prever do que gente e objetos.
Um viva à nefofilia.
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Foto da Capa: Freepik