Na segunda-feira passada tivemos a primeira confraternização dos colunistas da Sler.
Entre em chopp e outro, fui conhecendo os parceiros que compartilham essa aventura de escrever semanalmente para esta agora já tão querida plataforma digital.
Foi muito curioso ver presencialmente as pessoas por trás das linhas que eu venho acompanhando há algum tempo. Acima de tudo, foi fascinante perceber o quanto o texto que cada um escreve não é só um amontoado de ideias elencadas de formas mais ou menos coerente. Cada um dos colegas de escrita ali trazia em si mesmo, nos seus gestos e seus maneirismos de fala, algo do estilo que impõe ao texto.
Sim, a palavra é essa mesma: imposição.
Afinal, o que é a escrita se não a subversão que cada um impõe à linguagem? Se não o autoritarismo involuntário de forçar o seu próprio estilo no universo de todas as palavras?
Cada vocábulo escolhido em detrimento de outro – como o fiz já várias vezes nestas poucas linhas até aqui – é uma denúncia de preferência. Como pais que não se permitem confessar o filho preferido, nós também temos as nossas palavras de maior afeição.
O problema é que não podemos falar isso tão abertamente: vai que as palavras que deixamos para trás se tornem necessárias ali, logo adiante, e não compareçam quando convocadas, ciumentas e vingativas como são? Por via das dúvidas, melhor dizer que não sou eu que escolho uma palavra ou outra, mas que é a inspiração.
Enfim, ter encontrado esse grupo de colegas escritores me fez pensar em dedicar a última coluna do ano não a um tema específico, mas sim a você, caro leitor.
Porque, assim como a prece, a escrita também precisa supor que é endereçada a alguém.
Veja bem, não quero colocar no meu leitor o peso das responsabilidades de uma divindade. Mas é realmente curioso pensar que quando estou aqui frente a esta tela entro em uma espécie de transe pagão, um ritual semanal em que converso com pessoas que, na maior parte das vezes, eu nunca vi e que, provavelmente, nunca conhecerei.
Escrever é uma forma de reza porque é uma palavra endereçada ao desconhecido.
Talvez seja esse todo o medo que se tem da folha em branco: o cursor piscando solitário na tela é uma lembrança de nossa insignificância frente à linguagem, de nosso desamparo quando não sabemos o que o outro – o leitor – espera de nós.
Mas isso também pode ser libertador.
Supor que o leitor não venha até aqui esperando algo específico acaba sendo, pra mim, um refúgio e um amparo. Este é o meu tipo preferido de leitor que acabei encontrando por aqui: aquele que chega de cabeça aberta, sem muitas convicções, que estabelece um diálogo com o texto em que se propõe a sair alterado pela leitura. Ou seja: alguém que consegue desviar o olhar do próprio umbigo.
Este leitor nem sempre concorda com o que escrevo, mas é aquele que vai puxar papo ou começar uma conversa nas DMs ou nos comentários do Instagram.
É, no fim, é alguém que sabe que o texto lhe é endereçado e, por isso mesmo, acaba escrevendo junto.
Até porque, sendo bem sincero, sem o leitor, não existe o autor. Simples assim. O escritor é alguém que habita o mais estrangeiro dos lugares: a subjetividade e a singularidade do outro, do leitor. Enquanto escrevemos, somos uma parte daquele para quem escrevemos.
Acredito que é a este leitor generoso que a Sler se endereça: àquele que cansou de encontrar espelhos pela internet, que está saturado pela mesmice de se deparar por aí apenas posts que validam o seu próprio viés e que reforçam as suas convicções. O leitor-narciso que se contenta com o scrolling infinito das redes me assusta.
Enfim, que a escrita possa ser algo além de uma caixa de ecos parece ser a grande sacada da Sler.
A insistência da plataforma nos textos longos é proposital e, do meu ponto de vista, muito bem-vinda: estamos tão acostumados com as frases de efeito cafonas nas redes sociais que, por vezes, nos esquecemos que aquilo que realmente faz pensar requer tempo. A vida não cabe em 280 ou 2200 caracteres.
E acho que, depois de uma pandemia mortal e de quatro anos de um governo assassino, já estamos cansados das falsas certezas das frases e das imagens anestesiantes.
É uma alegria e uma responsabilidade saber que muitos dos meus leitores têm a paciência e a generosidade de acompanhar o que escrevo.
Que 2023 seja um ano de frases longas e de pensamentos demorados.