Era uma casa, mais que engraçada e tinha teto e retinha água… Os versos do poeta Vinícius de Moraes remetem a uma casa, que mal conseguimos imaginar, assim como essa que vou contar. A edificação e tudo que foi pensado em volta são inspiradores. E ainda promove uma sensação reconfortante, muito boa. Pois como é bom ver gente fazendo o que pode, o que consegue, para ser mais sustentável. Aperfeiçoar, diminuir nossa pegada ecológica é um processo. Ninguém na nossa sociedade é totalmente sustentável. É um gradiente entre ser completamente alienado ou não estar nem aí mesmo – como alguns trilhonários – e ter atitudes e escolhas menos impactantes ao ambiente e à sociedade.
Se dá para consertar, por que comprar novo? Por que ser escravo do consumo, da moda, da obsolescência programada se dá para colocarmos em prática aquilo que sabemos que o mundo precisa? E ser da turma dos que não querem colaborar para o fim do mundo (sempre lembrando o Krenak) tem sido a opção cada vez maior de gente que se preocupa com os filhos, os netos, as futuras gerações.
Diante do agravamento da crise climática, sim, o contexto está ficando cada vez mais complicado – nem os mais inventivos roteiristas de Hollywood tinham imaginado que a cidade de onde a indústria cultural manipula mentes e desejos de boa parte do mundo fosse ter partes transformadas em cinzas – iniciativas como a que eu vou contar agora devem ser compreendidas. Mais que isso: replicadas, implantadas onde for possível. E isso dá para ser feito por qualquer pessoa, inclusive por quem tem e quem não tem grana.
Estive numa casa que foi planejada para ser o mais ecológica possível. Dois banheiros, um escritório, dois quartos, uma cozinha conjugada com a sala. Um projeto dentro de uma perspectiva de classe média, sem qualquer extravagância. Absolutamente funcional. Confira algumas fotos no meu Instagram.
Para começar, a casa foi construída com tijolo diferente, mais ecológico, feito em um formato modular, a partir da mistura de terra, cimento e água. Esse mix é compactado em moldes, curado à água, ou seja, não é queimado.
O tijolo possui dois furos verticais que podem ser usados para embutir tubulações, conduítes e pilares, o que facilita muito a passagem das instalações elétricas e hidráulicas. Esse tijolo oferece um melhor conforto térmico: menos quente no verão. E tem outras vantagens: foi fabricado perto do local da construção, no município de Forquilhinha, próximo de Araranguá, e também gera menos resíduos nesse tipo de construção.
Outro aspecto considerado é que o planejamento considerou a posição solar sobre a casa para a obtenção de maior luminosidade e conforto térmico. As paredes que recebem mais luz foram pintadas com tinta ecológica (mineral) na cor branca. Isso também foi pensado para o melhor aproveitamento do sol e para a produção de energia natural.
Um dos charmes da casa foi o uso de garrafas de vidro transparentes e verdes nas paredes. Contribuiu para a entrada de luz e deu um toque especial nos ambientes. Em duas paredes, utilizou-se a técnica de cordwood: paredes erguidas utilizando uma massa que combina terra, areia, cal, cimento, água, palha e tocos de eucalipto de uns 30 centímetros. Além do aspecto mais rústico e, ao mesmo tempo, original, esse tipo de parede proporciona maior conforto térmico.
Os telhados da garagem e do deck são transparentes para garantir maior luminosidade. E há estacas para que as trepadeiras subam e os cubram. A casa é nova, então tem muita coisa ainda para acontecer. Até porque, tudo está sendo feito sem pressa e conforme cabe no orçamento. Tem coisas no projeto que ainda não saíram do papel, como a construção de um forno a lenha que vai ajudar a deixar a casa mais quente no inverno e a instalação dos painéis solares.
Sobre a gestão das águas: há dois telhados verdes e um jardim de chuva (para onde a água é direcionada para a manutenção de plantas que gostam de viver em locais encharcados). As estruturas com vegetação proporcionam conforto térmico e ainda ajudam a reter a água das intensas chuvas de verão, o que é comum na região. A casa fica em Araranguá, no Sul de Santa Catarina.
Também há um sistema de coleta de chuvas, uma cisterna, para onde escoa a água que será reaproveitada para diversos fins. O terreno não é uma área plana, então foi estudado o caminho para a melhor destinação da água.
Além disso, a casa conta com uma bacia de evapotranspiração, chamada de BET. Ela é conhecida como “fossa de bananeiras”. Suas raízes são filtrantes e usadas para o tratamento das águas cinzas (chuveiro, lavanderia, pias). Ou seja, a casa ainda devolve para o sistema local o esgoto tratado!
A dona do pedaço, a professora do Departamento de Energia e Sustentabilidade da UFSC Campus Araranguá, Kátia Madruga, conta que demorou para achar um construtor que topasse a ideia. Mas conseguiu encontrar um profissional que tinha grande conhecimento de construção, cuidava dos detalhes e estava aberto a novas experiências, gostava de aprender novas técnicas. E esse foi o grande diferencial, pois com as inovações a obra acabou custando menos do que se fosse feita de forma convencional.
A dica de Kátia para quem tem interesse em construir de modo mais sustentável é observar bem as características ambientais do terreno antes de fazer o projeto, se possível, em diferentes épocas do ano. Identificar as peculiaridades do local, como exposição solar, o caminho da água com a declividade, o regime de ventos e planejar os espaços e seus usos.
Eu não moro em casa, mas também procuro ter algumas práticas boas que trarão benefícios para todo mundo, não só para mim, na Capital gaúcha. Ter plantas, árvores que ajudam a melhorar a permeabilidade do solo é uma delas. Em resumo, é isso: há práticas que são boas só para uns, para alguns e o resto que se exploda, tipo aquele vizinho que coloca uma música alta e não se importa com o entorno.
Se quer ser um pouco mais sustentável, aí vão algumas dicas. A primeiríssima delas é pensar antes de comprar e o impacto do que está adquirindo. A segunda é saber separar e destinar corretamente os resíduos. Ah, por fim, só pra arrematar: a indústria da construção civil é uma das mais poluentes e agressivas do mundo, tá? Tanto na hora de erguer um prédio, quanto na fabricação dos materiais (louças, metais, acabamentos, etc.) até a operação (consumo de energia, manutenção, etc.). Fiz uma reportagem para O ECO uns anos atrás, confere aqui.
Se ficou curiosa ou curioso, podes saber mais no site da arquiteta responsável: Zona Zero Arquitetura
Vivência com argila, sustentabilidade na veia
E se quiser viver uma experiência de comunhão com a natureza e, ainda conferir uma proposta de Escola da Sustentabilidade Bandeira Branca, no meio da Mata Atlântica em Maquiné, que tem construções sustentáveis, vale conferir a programação. Será uma imersão com a professora de cerâmica e arteterapeuta Izane Schul: Vivendo o barro – Arteterapia na Floresta, dias 31 de janeiro a 2 de fevereiro.
Todos os textos de Sílvia Marcuzzo estão AQUI.
Foto da Capa: Acervo da Autora.