Hoje é segunda-feira. Amanhã é o dia de entrega desse texto que ainda nem nasceu. Estou aqui para contar que nem sempre sei o que escrever, nem sempre me acho boa o suficiente, nem sempre acho que eu merecia estar aqui ocupando esse espaço em meio a colegas de escrita que tanto admiro.
Já faz um tempo que venho pensando sobre a idealização, essa imagem que nos guia e, ao mesmo tempo, atormenta e captura na busca de uma persona que se acredita poder chegar a ser, mas que não chega nunca. Meu primeiro texto aqui desse espaço falava justamente sobre a cenoura do desejo que, com sorte, nunca vai ser alcançada para que a gente não pare de correr. Mas naquele então não falei sobre a cenoura em si. Qual e como é a cenoura de cada um? O que construo ou herdo como ideal a ser perseguido infinitamente?
Certamente meu ideal não é igual ao seu. Cada cenoura é forjada e cultivada por uma série de vivências e marcas que vão sendo deixadas e vividas ao longo do tortuoso caminho do desenvolvimento. Há quem viva em busca de uma cenoura lisa, de um laranja vivo, com sua coroa muito verde e altiva. Há quem busque, por inúmeras contingências da vida e emocionais, cenouras menores, não tão suculentas. Não por querer menos, mas muitas vezes por nem acreditar poder desejar uma mais imponente. A cenoura nunca é realmente a cenoura. O objeto do desejo, do ideal, nunca é o mais importante, senão o que representa. O ato de desejar é inaugural, revolucionário. Desejar alto, mas não tão alto que nunca se alcance. Desejar baixo, mas não tão baixo que se alcance fácil demais. Essa balança nunca parece ideal, ao contrário do nome do que se almeja.
Outro dia, assisti ao documentário sobre a vida da cantora canadense Celine Dion. Ela abandonou os palcos em 2023 após receber e assumir publicamente o diagnóstico de Síndrome da Pessoa Rígida, uma afecção neurológica com características de doença autoimune onde os músculos involuntariamente se enrijecem, com espasmos agudos que trazem muita dor e limitação na vida do paciente. Num determinado momento do documentário, o filho de Celine pergunta a ela que lugar do mundo ela gostaria de conhecer e ela responde: “Bem, você sabe, eu viajei por todos os lugares do mundo, mas efetivamente não conheci nenhum”. Ela revela toda sua dor por precisar abandonar os palcos em função do diagnóstico e do quanto precisa de sua voz, do quanto sempre conduziu sua vida em função da voz, que agora não mais alcança seus impressionantes acordes que praticamente o planeta inteiro conheceu. Nem ser uma estrela da música de nível mundial vem sem custo, sem perdas, ao contrário do que se pode imaginar. Mas essa nunca foi a minha cenoura. Na verdade, arrisco dizer que, se tudo correr bem, nossas cenouras vão se ajustando ao longo da vida. Crescem e se atrofiam à medida que o tempo passa e à medida que a vida vai apresentando seus acontecimentos a cada um de nós. Desejamos saúde, amor, sucesso, dinheiro. Desejamos um sentido, um propósito (com todo o cuidado que essa palavra requer para não cair em papo furado).
Hoje esse texto vai sair assim. Eu idealizo muita coisa para minhas participações aqui. Que gostem do que escrevo, que eu me sinta orgulhosa com o que consigo colocar em palavras. Hoje a cenoura é discreta, um pouco machucada, talvez. Não sei por que essa semana, mesmo minha cabeça sendo praticamente atropelada por ideias e reflexões quase que diariamente que poderiam gerar bons textos, essa semana silenciou. Hoje, minha cenoura vai ser conseguir entregar um texto minimamente interessante no prazo correto. Tem dias em que não consigo cantar e só respirar sem espasmos já parece suficiente.
Foto da Capa: Freepik
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