A doença falciforme ou anemia falciforme é causada por uma mutação genética e hereditária que provoca a deformação dos glóbulos vermelhos. Para ser portador da doença, é preciso que o gene alterado seja transmitido pelo pai e pela mãe. Se for transmitido apenas por um dos pais, o filho terá o traço falciforme, que poderá passar para seus descendentes.
Esse texto é mais uma das várias formas de dizer que o dia 19 de junho é uma data alusiva, um dia para lutar contra a invisibilidade da doença falciforme e o reconhecimento legal do Estatuto da Igualdade Racial e do Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, como legislações para a garantia de direitos para as pessoas com doença falciforme.
Dia de exigir dos governantes tratamento multiprofissional e multidisciplinar, por profissionais adequadamente preparados. Esse treinamento certamente reduz o estigma e preconceito sofrido pelos pacientes que necessitam de morfina para amenizar suas dores e que de forma perversa não são acolhidos na sua dor e no uso dessa substância.
Estima-se que, no Brasil, uma em cada cem pessoas apresente as alterações genéticas decorrentes da doença que atinge principalmente a população negra, mas que pode se manifestar em outras etnias. A anemia falciforme se caracteriza por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que perdem a forma arredondada e elástica, adquirem o aspecto de uma foice (daí o nome falciforme) e endurecem, o que dificulta a passagem do sangue pelos vasos de pequeno calibre e, consequentemente, a oxigenação dos tecidos. O fenômeno provoca anemia e outros sintomas que vão desde dores nos ossos e nas articulações até infecções e atraso no desenvolvimento.
Diagnosticar precocemente a doença garante qualidade de vida e é através do teste do pezinho que esse rastreamento no período neonatal deve ser feito. Outra possibilidade é pelo exame de eletroforese de hemoglobina que está inserido na rotina do pré-natal e é garantido a todas as gestantes e parceiros, pela Rede Cegonha, no Sistema Único de Saúde.
No Brasil já foram detectados aproximadamente 25 a 30 mil portadores da Doença Falciforme e em média de 3.500 novos casos aparecem a cada ano. De acordo com a base de dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde, em 2019, foram diagnosticados 1.214 casos de doença falciforme e 61.021 pessoas com traço falciforme, ou seja, essas últimas não possuem a doença, mas podem passar essa condição para as próximas gerações.
A doença falciforme apresenta uma série de complicações clínicas que elevam a mortalidade e o agravamento do quadro clínico dos indivíduos, principalmente, nos primeiros anos de vida, o que pode concentrar os óbitos na faixa etária de até dois anos de idade.
Pessoas portadoras da doença falciforme necessitam de uma atenção especial na saúde com procedimentos que vão desde a internação hospitalar para tratamento de dores agudas emergenciais, transfusões sanguíneas, até intervenções cirúrgicas. Apresentam ainda vários problemas clínicos que acabam interferindo na qualidade de vida, dentre eles, as crises dolorosas que causam a oclusão dos vasos sanguíneos, as dores torácicas agudas, as infecções bacterianas que junto com a crise dolorosa, aumentam a frequência das internações hospitalares, e há casos que evoluem para óbito.
A partir do decreto 39.860, de 8 de dezembro de 1999, iniciou-se no Rio Grande do Sul a implementação da Política Estadual de Atenção Integral às pessoas com Doença Falciforme, com o objetivo de identificar os portadores da anomalia e oferecer assistência médica, psicossocial e medicamentos especiais e imunobiológicos necessários. Mais tarde, a Portaria nº 1391, de 16 de agosto de 2005, institui no Sistema Único de Saúde, as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, e determina a garantia da continuidade do atendimento das pessoas diagnosticadas com hemoglobinopatias pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal, na rede de assistência do SUS a partir, prioritariamente, da Hemorrede Pública, e a promoção da assistência às pessoas com diagnóstico tardio de Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias.
Outro respaldo legal que garante o atendimento é o Decreto nº 45.555, de 19 de março de 2008, que institui a Política Estadual (RS) de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, com o objetivo de identificar indivíduos com a Doença Falciforme e oferecer assistência médica e psicossocial, aconselhamento genético não diretivo, medicamentos e imunobiológicos necessários.
Quando eu digo que esta é uma dor que não cabe no peito, é porque ela é devastadora para quem a sente, para as famílias, para quem sofre com a dor de ser negro, negra, pobre, periférico, sem acesso às informações claras e precisas.
*Gisele Cristina Tertuliano é Enfermeira, Cientista Social, Doutora em Saúde Coletiva.
Foto da Capa: Freepick