Diversos países do mundo, liderados por China, Alemanha, França, Israel e Estados Unidos, mostram que a atividade econômica tem como drivers os fortes investimentos em tecnologia e inovação, em uma visão de planejamento e estratégias de curto e longo prazos, que constroem uma visão de futuro única, onde o desenvolvimento econômico, social e ambiental estão articulados com o planejamento de Ciência, Tecnologia e Inovação. E com investimentos e definição de prioridades coerentes com esta visão de futuro. Este processo integrado de construção de futuro permitirá modernizar nosso modelo de desenvolvimento, propiciar uma necessária diversificação produtiva e endereçar questões complementares importantes, como o chamado Custo Brasil e a necessária reindustrialização do país.
Parece fundamental atuarmos em diversas frentes, destacando a necessidade de retomarmos os investimento públicos em todo o processo que fundamenta os fatores críticos de sucesso de uma sociedade, que entenda os fundamentos de desenvolvimento da Sociedade do Conhecimento do Século XXI: os investimentos em Educação e em Ciência, Tecnologia e Inovação. Estes fatores são múltiplos:
(a) voltarmos a investir de forma consistente e contínua em pesquisa, básica e aplicada;
(b) entendermos que políticas de compras públicas na áreas tecnológicas, desde a década de cinquenta, é o principal elemento de alavancagem dos maiores ecossistemas de inovação do mundo, dos Estados Unidos (como no Vale do Sílico e na região de Boston e, mais recentemente no Texas e na Flórida) a Israel (seja nos ecossistemas em torno do Instituto Technion, Haifa ou da Hebraica de Jerusalém) e China (como nos Parques Tecnológicos de Pequim, Shangai e Shenzen);
(c) estimular e viabilizar a inovação na indústria e nas empresas, apoiando investimentos com modelos inovadores como da EMBRAPII;
(d) definir com clareza áreas prioritárias, tanto em termos de áreas de negócios (como energia, saúde, semicondutores, defesa, mobilidade elétrica, indústria 4.0) como de tecnologias (Inteligência Artificial, Internet das Coisas, Neuro Feedback, Terapias Gênicas, Data Science e Big Data);
(e) revistar o modelo tributário visando aumentar a competitividade das nossas empresas no contexto global;
(f) criar condições para a consolidação de áreas de inovação e de ecossistemas de inovação, bem como mecanismos de geração de empreendimentos, estimulando o surgimento de novos empreendimentos, sejam startups ou spin-off acadêmicos, de alto valor agregado.
Entretanto, o que vivemos hoje é uma situação de emergência científica e educacional. Educacional porque a educação é a base, o pré-requisito, e o maior desafio para o desenvolvimento do nosso país, tanto do ponto de vista da cidadania como do ponto de vista do mundo do trabalho e do desenvolvimento integral do país. Desafio este que já foi enfrentado e vencido pelos países que hoje apresentam o melhor desempenho nos indicadores sociais, econômicos e de inovação globais. A Educação é também o maior desafio da Inovação.
Do ponto de vista da CT&I no nosso país, vivemos um momento de perplexidade, somente nos resta denunciar e alertar para os efeitos nefastos do que vem acontecendo, onde os pequenos avanços são sistematicamente destruídos por políticas simultaneamente ilegais e equivocadas, que comprometem nosso futuro como nação.
Se lançarmos um olhar histórico, apenas neste último ciclo, temos a aprovação do Marco Legal de CT&I em 2018, que buscou avançar em termos regulatórios com relação ao uso de recursos públicos, como do FNDCT e dos Fundos Setoriais e liberações de ações importantes, como por exemplo a participação acionária de ICTs em startups do tipo spin-off, geradas no contexto das dinâmicas de pesquisa nas Universidades. Logo após a aprovação, no início de 2019, são realizados vetos e contingenciamentos que afetam todo o Sistema Nacional de CT&I. Em 2021, é apovada a Lei Complementar 177, impedindo o contingenciamento de recursos do FNDC, principal fonte de recursos do SNCTI em função da significativa e persistente redução dos orçamentos na área de CT&I tanto no MCTI como nas principais agências de fomento à pesquisa, inovação e à PG no país (FINEP, CNPq, CAPES). Ainda no ano de 2021, o Governo veta artigos da LC 177 e retorna, na prática, o contingenciamento ao FNDCT. Durante o ano, em ações que reúnem todos os partidos e visões políticas do país, os vetos são derrubados no Congresso, tanto no Senado como na Câmara de Deputado, por ampla maioria.
Ao longo de 2011, se aprofundam os cortes no orçamento do MCTI, com a redução de repasses previstos. No final de 2021, são aprovados novos repasses ao CNPQ e FINEP, mesmo que com uma distribuição de recursos de forma complexa e, no mínimo, polêmicas, por parte do Governo. Para o ano de 2022, a partir da atuação conjunta das comunidades científica e empresarial junto aos Conselhos envolvidos, aprova um volume de recursos da ordem de 9 bilhões para o ano, valor que representa mais do que o somatório de todo o orçamento das principais agências de fomento do país reunidas. Surpreendentemente, novamente, o Governo contingencia fortemente o FNDCT (Lei do Congresso Nacional 17). Em curto prazo, o Congresso, via Destaque à Lei, derrubou novamente o contingenciamento. Para manter o padrão surreal da atuação nesta área, o Governo emite a Medida Provisória 1.136, que contingencia de 12% a 42% dos recursos do FNDCT para os anos de 2022 a 2026.
Vivemos um cenário surreal, onde projetos e editais do próprio Governo, via FINEP e CNPq, estão em risco real de serem suspensos ou cancelados. A situação beira o inacreditável. É tão surreal que terminou gerando uma inédita convergência entre as comunidades acadêmicas e científicas e empresariais na denúncia de supressão de recurso para o necessário financiamento das áreas de CT&I no nosso país. Na prática, esta situação inaceitável, que afronta o Congresso e os segmentos acadêmicos e empresariais e também agentes e instâncias do próprio Governo Federal, reduz o volume de recursos previstos do FNDCT da ordem de 9 bilhões reais, para 5,5 bilhões, sendo que a metade está vinculado aos empréstimos reembolsáveis da FINEP, que é outra forma sútil e ardilosa de contingenciar mais uma parte significativa dos recursos. Esta situação inviabiliza editais lançados pelo próprio Governo, constrangendo os próprios atores públicos envolvidos, reduz ainda mais os poucos recursos disponíveis para investimentos em CT&I no país. São dezenas de editais, ações e encomendas públicas sob responsabilidade do MCTI, FINEP e CNPq, assim como Organizações Sociais vinculadas ao MCTI, afetados por estas ações, algumas delas inacreditáveis em um espaço democrático de direito, que geram prejuízos ao conjunto da Ciência brasileira, afetando também as empresas e a competividade externa do país.
*Jorge Audy é superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS e do Tecnopuc