Não deve ser fácil ser uma mulher alta. Difícil de usar salto alto, né?
Essa pergunta foi o início de muitos mais minutos do que eu gostaria de ter vivido com um homem que parecia não ter a menor ideia do quão desagradável estava sendo. Era uma noite de sexta-feira em um bar a céu aberto. Interagíamos em um pequeno grupo quando esse homem – logicamente bem mais baixo do que eu – lança essa afirmação em forma de pergunta. A partir dela – a tal pergunta que mais parecia uma constatação – sucederam-se comentários cada vez mais insistentes e ofensivos, disfarçados de admiração que, ao meu ver, ocultavam, na verdade, inveja e até temor. Ao mesmo tempo, à medida que ficava claro meu descontentamento e impaciência com comentários preconceituosos e estereotipados do tipo “deve ser bom para fazer esportes, né? Ah sim, mas claro, deve ser legal ser alta, né? Bem que eu gostaria! (risos)” Ele parecia querer continuar se justificando e tentando amenizar a situação, que só parecia piorar.
Qual é a questão quando se fala sobre mulheres altas? Na verdade, sabemos bem que mulheres são estereotipadas e julgadas, não importando sua cor ou seu tamanho. Diz-se que mulheres baixas são irritadinhas, brabas. De onde veio isso? E mulheres altas são o quê? Estranhas? Independentes? Não fisicamente suscetíveis a serem aninhadas nos braços de qualquer homem? Muito já escutei até de outras mulheres que gostariam de ser altas como eu e juro de todo o meu coração que nunca compreendi. É só um tamanho de pessoa! Ou, ao menos, deveria ser apenas isso. Não é possível que atribuamos tanto simbolismo à altura de uma mulher (e também de um homem). Se homens altos são protetores e viris, mulheres altas são o quê? Sinceramente, estou cansada dessa conversa sobre ser alta e do quanto percebo que isso intimida homens e mulheres inseguros(as).
Somos todos, bem sei, reféns de uma cultura machista onde o mais “agradável aos olhos” são casais heterossexuais, sendo o homem mais alto e mais velho e a mulher mais baixa e jovem. Qualquer mudança dessa imagem já causa desconforto. Eu não me excluo desse sequestro, pois sempre preferi homens mais altos do que eu até então. Hoje isso já tem um peso infinitamente menor e sinceramente esse tipo de papo de bar já tem tirado minha paciência. Mulheres altas estão cansadas de se curvarem física e moralmente. Nem me venham com a conversa de que ser alta é elegante, porque a maioria de nós, mulheres altas, quando consegue se sentir assim, é depois de muito empenho pessoal para se enxergar de fato uma mulher de tamanho. Certamente, minha história de uma adolescente meio desengonçada e insegura que nunca gostou de estar no fim da fila na escola não é a única. Baixinhas, altas, magras, gordas, fato é que nosso corpo é historicamente e desde a infância, alvo de escrutínio e comentários, em sua maioria professados por homens.
Depois dessa interação infeliz, quando eu me dirigia para fora do grupo, um outro homem me aborda querendo comparar nossos tamanhos, pois afirmava não ficar com mulheres mais altas, pois “homens não gostam de mulheres mais altas que eles, não é?”. Eu respondi que só os inseguros, e me retirei do ambiente com uma sensação de invasão e maltrato. Eu que já me maltratei tanto por ser alta e consequentemente magra; que já maltratei minha postura e meus ombros por medo de aparecer demais e não ter o que mostrar; que cresci um metro e oitenta centímetros, mesmo sempre tendo me preocupado em crescer mais pra dentro do que pra fora. Eu cansei. Saí dali triste e exausta, com vontade de brigar com o mundo.
Na manhã seguinte, fiz um vídeo breve sobre o ocorrido nas redes sociais e recebi um vídeo lindo da Letrux falando desse mesmo sentimento de passar a vida se curvando por ser alta “demais”. No vídeo, ela conta sobre um encontro seu no camarim de um show de Maria Bethânia, onde, ao posar para uma foto se curvando para caber, ela ouve da rainha um “Fique do seu tamanho!” e o impacto que essa fala teve em sua postura interna e externa.
Agora estou aqui, escrevendo sobre isso e pensando no meu tamanho. Pensando sobre como nossa cultura é cruel com as mulheres. Nenhuma escapa, nem as que imagino estarem nos “padrões”, que aliás ninguém nunca veio nos contar quais são. Nenhuma mulher sente-se padrão porque ele não existe e isso não é por acaso. O propósito de um padrão no caso das mulheres é que ele seja de fato inalcançável para estarmos sempre insatisfeitas, exaustas e nos comparando a outras ao invés de nos aliarmos.
Teve vídeo, teve desabafo com a amiga que estava ao meu lado nessa situação toda, risadas com outros amigos que encontrei na sequência desse momento, mas o que mais botou meus ombros para trás e minha cabeça erguida foi um comentário que recebi de uma pessoa querida, dessas que a vida trata de colocar na vida da gente e a gente tem coragem de achar que merece tê-las: “Meu bem, tu és uma mulher interminável”.
É isso, ser alta é pouco, porque a verdade é que eu não acabo nunca. Que nós, mulheres fora da curva, altas, baixas, magras, gordas, brancas, pretas, manchadas, estranhas, não acabemos nunca e não aceitemos mais comentários medíocres.
A vida acontece na altura que a gente alcança. E crescer dói pacas.
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Fotos da Capa: Gerada por IA.