Fui ver a peça do meu vizinho. Sim, meu vizinho é o Mario de Ballentti. Nossos pátios se encontram. São duas casas, uma em cima e outra embaixo, que dão fundos para a nossa. Na de baixo, mora a psicanalista e escritora Rosane Pereira. Na de cima, o Mario, com seus bonecos.
Durante a pandemia, eu, minha esposa, que é psicanalista e dança flamenco, meu filho, que é artista visual, minha filha, que é cineasta, mais a Rosane e o Mario fazíamos nossas assembleias no encontro dos pátios. Botávamos em dia as notícias, os descalabros do governo, o aterrador negacionismo. Confinados, batemos muita panela juntos e gritamos fora, coiso!
Antes da pandemia, fiz, no Teatro do Abelardo, que levava o nome do boneco cachorrinho genialmente manipulado e interpretado pelo Mario, o Ricardo no Abelardo. O pequeno teatro era no Centro Cultural Vila Flores. Apresentei show Ricardo Silvestrin & Banda, recitais, levei diversos convidados durante meio ano. E o Mario, esse baita artista, fazia a produção, carregava estrado pra montar e desmontar o palco, subia na escada pra ajeitar um spot de luz, sempre com o cuidado e o profissionalismo que marcam sua trajetória.
Com a sua Companhia, Caixa do Elefante, ele já levou seu teatro de bonecos para vários lugares do Brasil e de fora do país. E estava recentemente em cartaz para um temporada no Multipalco do Theatro São Pedro, com o espetáculo Bom pra cachorro. É a esse que fomos assistir.
A peça traz o Circo Theatro do Abelardo. O cãozinho é o mestre de cerimônias e apresenta os esquetes de fantoches, todos com roteiros inteligentes e muito divertidos. Contracenam com os bonecos o Mario e o ator Gabe Felds. Ambos também manipulam os diversos personagens no teatro de fantoches.
Essa intercalação entre atuação das pessoas com a dos bonecos confere uma originalidade e dá grande dinâmica para a peça. Há, inclusive, uma cena em que as duas performances ocorrem simultaneamente, com o boneco e o ator fazendo os mesmos movimentos. Ao final, o ator sai, e a cena segue só com o boneco.
Os subtextos e as referências a aspectos da contemporaneidade, como a questões da política, das relações de trabalho, funcionam também como um prazer a mais para os pais, avós, enfim, para os adultos que levaram as crianças. Essas, as crianças, são um show à parte, desde a algazarra na fila de espera até as reações e participações quando solicitadas durante o espetáculo.
Felizmente, a pandemia acabou e pude ver o Mario para além do pátio que une nossas casas, de volta ao palco com toda a sua arte. Se a peça retornar a cartaz, não percam. E, se não tiverem alguma criança pra levar, podem ir assim mesmo. Eu e minha esposa fomos e ainda lembramos, vendo aqueles pais jovens com seus filhos pequenos, da função que é sair de casa com a piazada.