Seja pelo país sede absolutista com questões culturais que ferem a simples existência de qualquer pessoa que não seja homem hétero, seja pela imagem maculadíssima da CBF e da Fifa devido a sucessivos escândalos nos últimos anos, pelo sequestro das cores verde e amarela por uma parcela politicamente ressentida da população, pela ressaca de estarmos saindo de (ou quem sabe voltando para) uma pandemia, fato é que a impressão que se tem é que nunca na história desse mundo se viu uma Copa tão murrinha.
Apesar de não dar muita bola para o evento desde 2010 (quando me vi liberada das coberturas online de que participei desde 2002), confesso que tentei ver a abertura. Tentei ver o primeiro jogo. E tenho tentado assistir a algumas das partidas onipresentes na TV. Chego a me empolgar um pouco (é preciso admitir que o futebol cadenciado das seleções muitas vezes se assemelha a uma dança bem coreografada), basta um corte da câmera para a torcida e, pronto, fico “tapada de nojo”, como tão bem define a sensação uma amiga querida.
Essas imagens – que invariavelmente mostram muitos homens e raríssimas mulheres – me lembram o quanto é surreal que, em pleno 2022, uma relevante organização internacional que afirma em seu site que “está comprometida em respeitar todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos e lutará para promover a proteção desses direitos” tenha escolhido um país que, segundo a organização Human Rights Watch não investiga a morte de trabalhadores mal pagos nem indeniza as famílias, mantém políticas de tutela masculina e leis discriminatórias contra mulheres e marginaliza institucionalmente a comunidade LGBTQIA+.
Some-se a isso a seleção brasileira, que ostenta uma camisa hoje absolutamente vinculada a grupos que seguem insistindo em um golpe antidemocrático contestando o resultado das eleições presidenciais e apresenta (ainda) como “grande craque” um jogador polêmico: Neymar. Alguém aí lembra da atuação dele em campo nos últimos anos? Com exceção de quem acompanha sua carreira de perto, o mais provável é que o primeiro assunto que venha à mente ao pensar no jogador do Paris Saint-Germain sejam as dívidas do craque com a Receita Federal. É notório que ele vem tentando ter perdoada uma multa de R$ 8 milhões imposta a ele pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) por omissão de rendimentos, falta de pagamento de Imposto de Renda e outros.Por fim, num tom bem mais mesquinho, preciso admitir que, nem tanto pelo 7 a 1, a Copa de 2014 no Brasil me deixou traumatizada com o evento. Minha bronca segue a linha da jornalista inglesa Samantha Pearson, correspondente do Washington Post em São Paulo, que foi massacrada esta semana por brasileiros no Twitter por seu post a respeito da tradição de suspender as aulas em dias de jogos. Profissional autônoma, então mãe de uma menina de dois anos que dependia da creche para poder trabalhar, acabei me vendo atrapalhadíssima durante as semanas do evento no país. Isso porque a escola fechava não apenas em dias de jogos do Brasil, como também em dias de jogos realizados em Porto Alegre. Não houve altruísmo esportivo capaz de me fazer superar essa bronca.
Ranço, pois.
Porém, contudo, todavia, é preciso observar que, no momento em que escrevo esta coluna, a nossa seleção ainda não entrou em campo. E só os deuses do esporte sabem o quanto a vibração de uma torcida imensa, que abrange todo um país continental, e uma (oxalá?) atuação brilhante em campo podem fazer mudar de ideia a mais empedernida das implicâncias. Ou não.