“Uma pedagogia da Liberdade”. Foi assim que Francisco Weffort anunciou as ideias contidas no livro de Paulo Freire (Educação como prática da liberdade), escrito por ele em pleno exílio em 1965. Ideias que Freire logo tratou de ‘esclarecer’ afirmando que essa proposta de educação que estava sendo realizada no Brasil (antes de se instalar o regime civil militar), por ele e outros, tratava de um “esforço de humanização e libertação do homem e da sociedade brasileira”. Prosseguindo esse escrito observamos que são inúmeras as vezes em que Freire se reportou aos termos liberdade e libertação, a nosso ver, nem sempre de forma que expressasse explicitamente seus significados.
Por exemplo, em certo momento Freire afirma que através dos tempos na “luta por sua humanização” o homem está sendo sempre ameaçado e “em nome de sua própria libertação”. Pra dizer depois de algumas páginas: que a situação que se encontra o Brasil é como se as massas emergentes tivessem sendo “levadas à imobilidade e ao mutismo, em nome de sua própria liberdade”. Não identificamos, neste escrito, Freire deixando explícito o uso dessas palavras que serão recorrentes no capítulo que ele fala sobre a realidade da sociedade brasileira naquela época. A situação torna-se ainda um pouco mais complicada quando passamos a observar outros escritos de Freire: Pedagogia do Oprimido e Ação Cultural para Liberdade, livros que junto com o primeiro contem as ideias explicitadas por ele entre os anos 1965-1974.
Nas palavras de Freire, Educação como Prática da Liberdade foi uma ‘introdução’ à Pedagogia do Oprimido. Escrito em 1968, Freire demonstra uma maior clareza na pedagogização de determinadas concepções modernas que constituíram o que ele chamou de: Pedagogia do Oprimido. Concepções já iniciadas em Educação como prática da liberdade, aprofundadas, suprimidas, acrescidas, como por exemplo: a dialética hegeliana, em especial a do senhor e escravo e o significativo uso das ideias marxistas. Apesar de Freire se mostrar mais inclinado a conceituar a libertação (seria a superação da realidade opressora, através da práxis, onde o oprimido deixa de ser oprimido e se encontra em “permanente processo de libertação”) na composição de sua pedagogia, a palavra liberdade é frequentemente utilizada.
A nosso ver, ainda não está explícita a distinção entre o significado das palavras. De tal maneira que alguns estudos sobre o conceito de liberdade utilizado por Freire, analisando basicamente as mesmas obras que selecionamos, findam por tomar o termo liberdade enquanto libertação.
O estudo mostra que Freire, de início, quando se vincula ao cristianismo católico, tem o conceito de liberdade significando “ligar-se ao Criador” e comunhão. Esse vínculo católico é superado pela ideia de liberdade trazida por Hegel (especialmente na passagem da “Dialética do Senhor e do Escravo”), que por sua vez trata-se de um processo que constitui a própria razão através de uma posição crítica da própria consciência. O estudo finaliza tomando o conceito de liberdade enquanto libertação.
Freire, desde a Pedagogia do Oprimido, constrói a noção de liberdade enquanto processo: a libertação. Fazendo um paralelo com o conceito de conscientização o autor afirma: que se tratando de libertação, o sufixo ação significa práxis (ação e reflexão) importante pra criticar o agora e projetar algo novo.
Mas se para Freire o termo liberdade deve ser entendido como libertação, por que ele ainda opta por usar o conceito liberdade, inclusive pra intitular seu livro publicado em 1975: Ação Cultural para Liberdade (reúne escritos, conferências e entrevista do autor que datam dos anos 1968 a 1974)? O próprio Freire, neste livro, apresenta um artigo escrito em 1969 (ação cultural para libertação) que demonstra uma inclinação crucial para a concepção de libertação. Entendendo libertação como processo e colocando toda ‘sua pedagogia’ como ação cultural para libertação, uma ação permanente, Freire se reporta pouquíssimo ao termo liberdade. E dentre essas pouquíssimas vezes nos chama atenção que é pra falar sobre medo: “o trabalhador social que opta pela mudança não teme a liberdade”. Aspecto que em certo sentido nos faz voltar a questão inicial dessa parte do texto: a que Freire não deixa claro o significado de liberdade e libertação em seus escritos.
Mas pensamos que ele nos dá uma pista importante sobre o conceito de liberdade: quando indica que ela está associada ao medo. Ele nos faz voltar para as ideias de um autor que o acompanha desde Educação como prática da liberdade, o seguiu firme em Pedagogia do Oprimido e, a nosso ver, mesmo que timidamente ainda aparece no livro Ação cultural para liberdade: Erich Fromm no livro O medo à liberdade (do original Escape from freedom: Escapar da liberdade).
É significativo que Freire construa suas concepções sobre liberdade e libertação, a partir nas ideias de liberdade trabalhadas por Fromm, que por sua vez se insere numa configuração hegeliana, freudiana e marxista. O livro de Fromm data de 1941 e é ele quem vai problematizar especialmente o conceito de liberdade buscando explicar como surgiu na reforma (no luteranismo e no calvinismo) alguns princípios importantes pra constituição do homem moderno, dentre eles a ideia de Liberdade.
Entendemos que o fato de Fromm tentar investigar os motivos que as pessoas seguiam o regime nazista (que inclusive provocou o seu exílio nos Estados Unidos) foi um atrativo inicial pra que Freire procurasse entender o que aconteceu no Brasil que levou tantas pessoas a apoiar o golpe militar civil, que também provocou seu exílio. Certo sentimento de angústia (talvez bem maior que a de Fromm) de ter a voz calada e as ações interrompidas são significativas no livro “Educação como Prática de Liberdade”. Entendemos que ele tenta buscar um fio de convergência entre as realidades dos regimes autoritários. Freire, no fundo, está tentando responder por que o Humanismo moderno não está saindo tal qual foi pensado e, concomitantemente, está tentando ‘depositar’ nas práticas educativas (através da formulação de uma pedagogia) uma ‘salvação’ pra toda essa problemática humanista.
Voltando pra essa relação liberdade de Freire e liberdade concebida por Fromm (1983), é significativo compreendermos que quando Fromm se refere à liberdade, detalha que nessa concepção existe uma interessante ambiguidade. Como se no nosso mundo existissem duas formas com as quais significamos a liberdade, e não apenas uma! Um detalhe para o qual o leitor dos textos de Freire não fora avisado!
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