No auge da pandemia de COVID-19, quando a reflexão passava pelo aprofundamento das desigualdades sociais, muito se ouviu sobre a metáfora de que todos navegavam ‘’na mesma tempestade’’, mas em barcos absolutamente diferentes. Da segurança alimentar, passando pelo impacto educacional, até o agravamento dos indicadores de violência doméstica às múltiplas faces de um país estruturalmente contaminado pelo preconceito e discriminação.
O que poderia representar a continuidade de processos de exclusão, seja no Brasil ou em qualquer um dos países desenvolvidos, tem, no entanto, gerado a tração de novos movimentos sociais liderados por atores que defendem agendas de aprimoramento e fortalecimento da democracia.
Em recente aceno com práticas que visam estabelecer um outro olhar sobre as diferentes realidades presentes no Brasil, a B3, Bolsa de Valores brasileira, apresentou proposta que prevê que empresas que negociam no mercado de ações deverão, a partir de 2025, incluir em seus conselhos de administração ou diretorias estatutárias ao menos uma mulher e um representante de grupos “minorizados” (tradicionalmente vítimas de discriminação como pessoas negras, pessoas com deficiência e LGBTQIAP+). A ação segue tendência das bolsas de valores espalhadas por todo mundo.
A reboque do que se vê, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu a RCVM 59, que tem como exigência a apresentação do número de membros no conselho de administração e do conselho fiscal das companhias, agrupando por identidade autodeclarada de gênero, de cor ou raça e por outros atributos de diversidade.
O panorama aqui é só um: enfrentar a realidade, primeiramente, da ausência de diversidade e representatividade efetiva, e que por sua vez, perpetuam o racismo estrutural, institucional e econômico. Precisamos afirmar, como base de transformação para o lugar que sonhamos, o quanto nossas empresas não cumprem, na plenitude de seu papel – e obrigações de Compliance – as políticas de combate ao machismo e a cultura de inequidade de gênero, por exemplo.
Em consonância, as propostas da B3 e a resolução da CVM têm como caráter urgente a aceleração da agenda ESG, atrelando metas e indicadores que gerarão impacto até mesmo na remuneração dos executivos, como raramente se viu no país. Das 423 companhias listadas em bolsa, 60% não tem uma única mulher em seus conselhos de administração. O que também pesa na participação de executivos negros, que segundo o Índice de Equidade Racial Empresarial (IERE), caiu para 4,1% em 2021.
A maior parte das regras ainda, por um tempo, serão pautadas pelo modelo “pratique ou explique”, onde a empresa deve apresentar evidências do cumprimento da prática ou explicar o não cumprimento dessa revolução democrática, conferindo atributos de inovação, empatia, pluralidade e engajamento maior das marcas juntos aos consumidores. Os benefícios são muitos e nem caberia listar apenas em um texto. Por inteligência estratégica de mercado, visão de longo prazo, aderência aos princípios de ESG ou mesmo ainda pelo louvado lucro que se espera, o tempo de “explicar” dará passagem ao justo tempo de “praticar”. Me parece que ele chegou. A hora é de praticar.
*Fabiano Machado da Rosa é advogado, sócio fundador do PMR Advocacia e autor do livro “Compliance Antidiscriminatório – lições práticas para um novo mundo corporativo”