Semana passada fui ao cinema com minha filha assistir a um filme infantil e eis que ao final do mesmo as crianças, empolgadas, aplaudiram e gritaram muito. Duas vezes, inclusive. Uma quando “deu tudo certo” como acontece em todos os filmes infantis, e outra quando a projeção terminou e as luzes da sala se acenderam.
Fiquei emocionada ao ver a empolgação das crianças e eu, junto a demais vários pais e mães, me uni aos aplausos e gritos, sob o olhar entusiasmado da minha filha ao me ver compactuando com aquele pequeno momento de felicidade.
Sempre achei aplausos uma manifestação coletiva emocionante e intensa. Um momento de validação do momento ou da pessoa ou do espetáculo que se encerra. Ao ler sobre a origem desse ato, aprendi que foi na Roma antiga, quando os gladiadores empatavam uma batalha e a plateia era estimulada a aplaudir para que houvesse o desempate. Apesar da origem não ser das mais agradáveis, fascina-me pensar nas maneiras com as quais os seres humanos foram adquirindo e se apropriando do corpo para manifestar sensações ou sentimentos que pela palavra talvez não seria possível com a mesma magnitude.
Em que momento dois humanos perceberam que os dedos da própria mão poderiam se entrelaçar aos do outro e assim fazer nascer as mãos dadas? Quando isso se tornou um sinal de afeto, cumplicidade e união? Quem foi o inventor do beijo? Terá sido somente instinto? O sexo inicialmente talvez, mas encostar duas bocas e estabelecer movimentos ritmados, usar a língua, algo que evolutivamente não teria serventia alguma?
Que bicho tecnológico e ao mesmo tempo visceral somos nós? E os aplausos? O corpo sendo usado para emitir um som que, coletivamente, tem uma força e um impacto de largo alcance. Eu sou uma entusiasta de shows em geral, principalmente pela plateia, por fazer parte de uma tribo que partilha determinado gosto musical e que catarticamente ao final de cada música aplaude e grita, explodindo assim em emoção e reconhecimento da beleza e arte ali diante dos olhos e ao alcance dos ouvidos. Mas não precisa nem ser arte. É assim com o futebol, era assim nos aviões, nas festas, com o corpo e a dança, numa manifestação de nossas pulsões mais primitivas ali em estado de festa.
Por que paramos de aplaudir filmes e aterrissagens de avião? Estaremos naturalizando demais a vida e seus pequenos espetáculos?
Ano passado fui ao meu tão sonhado primeiro show de Maria Bethânia no auditório Araújo Viana, em Porto Alegre, e percebi que, ao contrário da minha expectativa, não amei o show. Em parte por um humor particularmente difícil da diva naquela ocasião, mas depois, ao avaliar o espetáculo como um todo, percebi que a artista foi emendando um clássico atrás do outro sem pausa entre eles. Sem respiro. Ela não dava tempo para o aplauso. Zélia Duncan uma vez disse que adora a pausa entre as canções e eu entendo porquê.
Aplauso é mais do que reconhecer o feito do artista. É a contrapartida do público que extravasa sua emoção contida nesse ato físico, que envolve força, movimento. Ato que dá respiro e abre espaço para a próxima canção. Sem pausa não tem aplauso e sem aplauso não há alívio. Há um excesso de energia ali esperando para desaguar.
Vale a cada um encontrar seu próprio show, filmes ou aterrissagens para celebrar e aliviar um pouco os apertos dessa vida que anda séria demais. Eu desaguei muitas águas paradas assistindo “Kung Fu Panda 4” em meio a um monte de crianças pulando e gritando.
Recomendo.
Foto da Capa: Freepik
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