Como podem sentir orgulho os que pensam… se seus pensamentos não emanam em discussões ou inspiram frêmito e galhardia ao povo.
Como podemos pensar se nosso mais inquieto rebuliço é tornar-se fetiche nas redes sociais?
E se pensar é mais do que a maioria das pessoas imagina, pois, quando todos fingem bem, todos ganham seus salários bem.
Porque pensar é difícil mesmo, sempre foi e será difícil.
A exigência do pensar é a mesma que desloca diferentes opiniões (doxa) para matéria científica (episteme). Pensar se vale de conhecimentos, porém, seu esforço não se restringe a eles. A necessidade de comparar, esmiuçar, reparar, analisar, decupar, trazer novamente para o todo que compõe sentido ao objeto analisado são os instrumentos básicos para essa tarefa.
Portanto, quando se faz uma análise detalhada de algum conhecimento, quando se dá a ele essa natureza de conceito que lhe é própria na dimensão cognitiva na qual o tomamos, é mister testá-lo antes de tentar encontrar alguma escala de reprodução. Será que essa ideia é boa de verdade ou só é boa porque todos estão dizendo que é? Então, vox populi vox dei? E isso envolve um problema de grandes proporções para aquilo que é uma tomada de decisão adequada.
Gostaria de trazer como exemplo o que estamos observando na Europa atualmente. A queda da indústria europeia, principalmente a alemã, pois se trata da terceira maior economia do mundo. Como pode uma economia arruinar assim em tão pouco tempo? Não tenhamos medo de olhar o que pode ter sido a mudança energética que envolveu a criação de carros elétricos. Quando a China investiu US$ 230 bilhões de dólares na fabricação de carros elétricos, entre 2009 e 2023, a indústria europeia não sabia como seria competir com um carro muito mais barato vindo do Oriente. Tampouco a Alemanha estava preparada para o fim do gás barato que vinha da Rússia antes do conflito armado com a Ucrânia.
O nefasto resultado trouxe recrudescimento econômico à Europa. Não teremos mais a Europa como vimos durante o século XX, forte e robusta, protegida pelo plano Marshall estadunidense. Com o acirramento de grande parte da indústria estadunidense, a qual se dirigiu para a China devido à alta carga tributária, não é difícil imaginar o quanto a nova presidência americana estará disposta a terminar com a alta qualidade de vida da maioria dos europeus civilizados. E eu coloco aqui o termo “civilizados” não porque eu critique a ideia de civilização, mas sim pelo olhar atual dos europeus autóctones, cuja valorização da vida e do sentido deixou de ser levada em conta para um excesso de burocracias e discursos que levam à incompetência de práticas.
Os discursos com seus chavões e slogans são, foram e serão as melhores defesas contra o pensamento. Quando morei na Europa, eu entendi o ódio contra os estrangeiros. Eu, um estrangeiro, estando lá apenas para fazer um estágio internacional, era visto como um problema. Mas todo o dinheiro que recebi para realizar os meus estudos, eu gastei lá dentro. Meu dinheiro ajudou a movimentar a economia deles, mas isso não era tão importante quanto eu ser uma ameaça por ir roubar o emprego que africanos e argelinos tinham mais interesse do que eles mesmos, brancos e autóctones.
Não posso esquecer que em uma das primeiras conversas que tive com cidadãos europeus, em uma mesa de um café francês, estavam um português descendente de senegaleses, um francês descendente de peruanos e uma alemã descendente de turcos. E eu era o único da mesa que não possuía o passaporte de cidadão europeu. O mais curioso era todos se expressando com as dificuldades de morar na Europa, mesmo sendo cidadãos europeus. Tensão… muito comum hoje em dia.
Dando fim a esse interlúdio, só me resta pensar. Como pensar é uma arma de guerra de difícil acesso. Melhor usar fome ou desinformação antes de cairmos em tiros, bombas e drones carregados com mísseis. Desinformação é uma arma tão boa… que passamos a ser levados pela opinião dos outros sobre qualquer assunto. Sendo assim, vilões se tornam heróis e heróis se tornam vilões apenas com uma boa campanha de marketing da mídia mainstream brasileira. Aliás, o que chamamos de incompetência da mídia pode ser simplesmente um bom salário que responda aos anseios de seus patrocinadores. Nada mal ter um bom patrocinador como o Estado Brasileiro… a serviço da desinformação.
Nessa guerra, conhecimento é uma arma. Contudo, desde sempre, aqueles que realmente valorizam o conhecimento não o usam como tal simplesmente. Eles o usam como um instrumento de aperfeiçoamento dos valores humanos, servindo para todas as pessoas em todas as classes e esferas de atuação. No dia em que o Brasil se der conta das vantagens e dos prazeres do conhecimento, talvez nós sejamos um país mais livre das amarras internacionais e mais nacionalistas pelos grandes pensadores de nossa história.
Para citar um pensador que conheci há pouco tempo, gostaria de trazer Mário Ferreira dos Santos e seu esforço em fazer uma articulação entre os pitagóricos e o tomismo, ao colocá-lo em referência à ideia de eternidade. A cognição precisa sair da dimensão meramente subjetiva e ir em direção a um objeto de clareza externa a nós, mesmo que se dê como processo e não como presença final. Toda a estrutura do logos (razão) precisa de estofo para haver representações, inclusive a nossa intuição. E a intuição mesma se vale desse apanhado complexo de ideias que aos poucos nos ajudam a formular uma hipótese para, em seguida, examinarmos onde ela se encontra na realidade.
No final, não seria muito mais fácil não crer em nada, não aprender nada? Certamente que sim, mas se a realidade também é fundamentada em ideias, passa a ser um dever nosso, como seres pensantes, a protegê-la e recobri-la com interrogações para que melhor ela faça parte da nossa vida.
Uma arma poderosa essa… Falta quem lhe faça bom uso!
Estevan de Negreiros Ketzer é psicólogo clínico, doutor em Letras (PUCRS), pesquisador do IMEC, França, pós-doutorando em Letras pela UFMG. (estevanketzer@gmail.com)
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Foto da Capa: Gerada por IA